Zé Dirceu e a frente (pouco) democrática

Zé Dirceu e a frente (pouco) democrática

Cada um com suas manias. Uma das minhas é pensar nos motivos pelos quais, na China, o Partido Comunista demorou praticamente uma década para mudar a estratégia que praticamente o destruiu.

A estratégia baseada na insurreição urbana e num determinado tipo de aliança com os nacionalistas organizados no chamado Kuomitang, desembocou no massacre de Xangai (1927) e no extermínio físico de dezenas de milhares de quadros. Mas só durante a Longa Marcha (1934-1935), o Comitê Central do PC da China foi conquistado pelos dirigentes que defendiam outra estratégia, a chamada Guerra Popular Prolongada.

Há vários motivos para o intervalo de quase uma década.

A necessidade de fugir, de se esconder, de preservar os quadros, as imensas distâncias, as condições de luta interna em um partido de massas e extremamente popular etc. Mas tenho para mim que um dos motivos é a inércia. Que se manifesta de diversas formas, entre as quais a influência que seguem tendo certas concepções, mesmo quando sua linha se revela um fracasso total.

Hoje, por exemplo, quando falamos da China até 1949, lembramos de Mao, como se suas posições tivessem predominado entre os comunistas chineses, desde 1921. Mas os fatos são outros: desde 1921, e particularmente entre a derrota de Xangai e a Longa Marcha, as idéias predominantes foram outras.

Como disse, cada um tem suas manias. E depois de expor uma das minhas, passo a analisar o texto “Por que sou a favor de uma Frente Democrática”, assinado por José Dirceu e divulgado no dia 29 de junho de 2020.

Quem quiser ler o texto, está disponível aqui:

Não vou retomar aqui debates anteriores que mantive com (contra) as posições de Dirceu. Quem tiver interesse, pode encontrar vários textos a respeito, no mesmo endereço onde está esse aqui, um dos mais recentes:

https://valterpomar.blogspot.com/search?q=dirceu

Mas adianto que, na minha opinião, Dirceu está repetindo o mesmo movimento que fez entre 1990 e 1993: sinalizou para a esquerda, mas está virando para a direita.

Para ser mais preciso: todo mundo que manteve contato com Dirceu nos últimos meses e anos, já ouviu opiniões para lá de maximalistas acerca da conjuntura, da estratégia e do próprio Partido dos Trabalhadores.

Mas nas últimas semanas, ele está dando sinais crescentes de que simplesmente não consegue se libertar das concepções que nos levaram à derrota em 2016. Como acho que o PT não está condenado a seguir repetindo o mesmo erro, me vejo na obrigação de polemizar com o que ele defende.

Vejamos então o que Dirceu diz no artigo “Por que sou a favor de uma Frente Democrática”.

Nele, Dirceu afirma que “não podemos confundir direitos civis e políticos com direitos sociais. Sem liberdade, não teremos como recuperar os direitos sociais e ampliá-los”.

De fato, se direitos civis e políticos fossem iguais aos direitos sociais, não haveria motivo para usar nomes distintos.

Porém, na história real dos últimos 380 anos, em todo o planeta, foi a luta pelos direitos sociais que ampliou os direitos políticos.

As classes trabalhadoras lutam por melhorar suas condições de vida e, nessa luta, criam e ampliam os direitos civis e políticos.

Por isso, se não podemos confundir, também não podemos separar a luta pela liberdade, da luta pelos direitos.

E, mais importante, não podemos esquecer de que é a luta pelos direitos que faz as grandes massas lutarem pelas liberdades.

Claro que para os setores médios e ricos, que já têm direitos sociais, a luta pelas liberdades parece importante “em si mesma”, no sentido de que parece um móvel, um motor, um motivo suficiente.

Luto pela liberdade porque quero ser livre, parece pensar o cidadão da mal denominada classe média.

Mas para a imensa maioria do povo, a frase que descreve de maneira mais precisa o que se passa historicamente é: luto para sobreviver e ao lutar crio as liberdades; e passo a defendê-las para poder não apenas sobreviver, mas também para poder viver cada vez melhor.

Dirceu afirma, também, que “o voto é a arma do povo brasileiro, que não detém o poder econômico, militar, judicial ou de informação”.

“O voto é a arma do povo brasileiro”: essa é uma daquelas frases que parece óbvia, mas que exatamente por isso deveria ser vista com um pouquinho mais de desconfiança.

Para começo de conversa, é fato que a classe dominante brasileira fez e segue fazendo de tudo para impedir que a maioria do povo tenha acesso ao direito de votar e, principalmente, que tenha acesso às condições para votar de acordo com os interesses da classe trabalhadora.

Dito de outra maneira, a classe dominante usa o “poder econômico, militar, judicial ou de informação” para impedir, constranger e influenciar o voto do povo.

Portanto, mais correto seria dizer: “o voto pode ser uma arma do povo brasileiro”. Não “é”, pode ser.

E neste detalhe reside uma imensa diferença entre o pensamento democrático-liberal e o pensamento da esquerda.

O democrata-liberal atua como se o voto tivesse “em si” poderes mediúnicos.

A esquerda atua levando em consideração o voto e suas circunstâncias.

Circunstâncias que podem levar, como levaram em 2018, parcelas expressivas do povo a votar num candidato da extrema direita.

Dirceu afirma que “para fazer o impeachment de Bolsonaro, temos que construir uma ampla frente democrática e, dentro dela, criar uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país”.

Nestas frases considero estar o núcleo do pensamento de Dirceu.

Lendo-as, lembro-me imediatamente de uma entrevista que ele me concedeu noutro milênio, para o jornal Brasil Agora, onde discorreu acerca do objetivo de conquistar governos cada vez mais progressistas, até que enfim teríamos um governo democrático e popular, que abriria caminho para o socialismo.

Hehe. Hoje sabemos o lado B desta lógica gradualista.

Por partes.

É óbvio que para fazer o impeachment de Bolsonaro, precisamos de maioria neste Congresso que aí está.

A maioria deste congresso é composta por parlamentares ligados a partidos de centro-direita & direita.

Portanto, caso seja de fato aprovado, o impeachment em si mesmo seria uma materialização de uma “frente” entre a esquerda e setores do centro-direita & direita.

Isto posto, cabem duas perguntas: 1/isto deve ser chamado de “frente democrática”; 2/como conseguir que isto aconteça?

Bom, a escolha dos nomes das coisas é algo muito íntimo. Mas excesso de livre arbítrio conduz a certos exageros.

Afinal, o que poderia motivar setores de direita & centro-direita a votar no impeachment não seria, nunca, a defesa da “democracia” em abstrato, mas sim a defesa dos seus (deles) interesses econômicos e políticos, que não têm nada que ver com os nossos.

Portanto, num certo sentido, eles votariam no impeachment por motivos opostos aos nossos.

Para fazer uma brincadeira com a famosa frase de Antonio Carlos, é como se dissessem: façamos o impeachment por cima antes que o povo o faça, por baixo.

Chamar de “frente democrática” uma eventual aliança prática, em favor do impeachment, com setores cujos interesses são opostos e antagônicos aos nossos, apenas estimula a ilusão de que haveria uma convergência mais profunda de interesses.

Ou seja, que seríamos todos “democráticos”.

Aliás, ao chamar de “frente democrática” algo que simplesmente ainda não existe, estamos colocando a carroça adiante dos bois, pois já estamos distribuindo medalhinhas a quem não cometeu absolutamente nenhum ato de heroísmo.

O fato é que a maior parte da direita & centro-direita não defende o impeachment de Bolsonaro.

Mesmo os que criticam Bolsonaro, ainda não foram (na sua maioria) além do ranger de dentes.

Seja como for, independente de como chamemos a tal hipotética e desejada frente que se materializaria no voto pelo impeachment, cabe perguntar: como conseguir que isto aconteça?

A resposta de alguns petistas é, traduzida em linguagem pop, “chegando junto”.

A gente assinaria uns manifestos inócuos, participaria de uns eventos com bastante gente descolada, aqui e ali falariamos alguma palavra proibida (tipo “basta”, “fora” ou até mesmo “devolução dos direitos políticos”, termos que provocam assaduras em alguns da direita&centro-direita) e, desta forma, por osmose talvez, iríamos convencendo a turma da centro&direita a abandonar a timidez e a transformar a auto-proclamada frente ampla pela “democracia”, numa frente pelo impeachment.

Na minha opinião, esse jeito de “chegar junto” não vai nos levar a nenhum bom lugar, e não vai nos levar ao impeachment.

Se existe alguma chance de empurrar amplos setores da direita & centro-direita a defender pelo menos o impeachment, é fazendo pressão independente e autônoma, de baixo para cima e de fora para dentro.

Isso exige construir uma verdadeira frente democrática, uma coalizão entre os que de fato defendem o impeachment.

E uma frente democrática consequente (ou seja, pelo menos pró impeachment) só vai conseguir audiência entre o povo, se conseguir convencer a massona de que o impeachment é condição necessária para melhorar a vida do povo.

Portanto, ao contrário do que diz Dirceu, não é por “dentro” de uma “ampla frente” que vamos criar uma saída à esquerda.

Não é por dentro de uma “ampla frente” com FHC et caterva que vamos criar uma saída à esquerda.

Primeiro, porque uma “ampla frente” com FHC ainda não é “democrática”, porque não coloca como objetivo pelo menos o impeachment.

Segundo, porque a “ampla frente” de que faz parte a caterva de FHC só virá a assumir o impeachment, só vai se converter numa real frente democrática, se for empurrada de fora para dentro, de baixo para cima.

E só haverá esse empurrão se convencermos o povo de que para defender a vida, é preciso tirar Bolsonaro.

E não há como fazer isso, se estivermos misturados com os mesmos que prejudicaram os direitos do povo (EC95, reforma trabalhista, reforma da previdência etc.).

Portanto, o raciocínio de Dirceu — “para fazer o impeachment de Bolsonaro, temos que construir uma ampla frente democrática e, dentro dela, criar uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país” – não contribui nem para construir o impeachment, nem para construir uma frente democrática de verdade, nem para criar uma saída à esquerda, nem para a reconstrução de nosso país.

Acho que Dirceu sabe muito bem disso tudo que escrevi antes. Pois nada disso é novidade para quem construiu o PT na luta contra a ditadura militar e contra a transição democrática.

É por isso, na minha opinião, que ele tem passado “por maus pedaços nas últimas semanas, na verdade meses”. Pois o que ele propõe fazer hoje, não é o que fizemos nos anos 1980. O que ele propõe fazer hoje é algo parecido com o que se tentou fazer, mas fracassou, entre 1964 e 1968. O que ele propõe hoje lembra o que a direita do Partido Comunista Brasileiro propunha fazer, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980.

Aliás, por falar em confusões, numa passagem do texto Dirceu lembra que “pelo voto, o povo derrotou duas vezes as tentativas de impor o parlamentarismo e lutou bravamente pelo direito de eleger o presidente da República”. De fato. E na segunda vez, Dirceu esteve entre os que inicialmente defenderam o parlamentarismo, sendo derrotado fragorosamente pelo voto da maioria (70%) dos petistas.

Dirceu afirma que seus “argumentos são simples, quase simplórios, mas minha intuição e minha consciência me pedem que os apresente. Aprendi desde menino na luta contra a ditadura que os inimigos de meus inimigos são meus amigos, companheiros ou companheiras de viagem como se dizia, cada um com destino a uma estação, mas todos preservando o meio para o fim, a democracia”.

Então, cada um teve sua infância, inalienável e inesquecível. Na minha, aprendi que os inimigos de meus inimigos hoje raramente são meus “amigos”, sendo bem provável que logo logo se tornem meus inimigos de amanhã.

Também aprendi que a burguesia e a classe trabalhadora têm posturas totalmente distintas frente a democracia e as liberdades.

A classe trabalhadora, ao lutar para melhorar de vida, cria as liberdades democráticas. A classe dominante, ao defender interesses, ameaça cotidianamente estas mesmas liberdades.

Portanto, não acredito que viajamos no mesmo trem, em direção a estações diferentes (aliás, tinha e acho que ainda tem um trem muito legal em Passa Quatro).

Nem acredito que todos preservamos “o meio para o fim, a democracia”.

A classe dominante, seus funcionários, seus intelectuais, podem usar e abusar da palavra democracia, mas não são democratas no mesmo sentido que a classe trabalhadora é democrata.

A classe trabalhadora, repito, cria a democracia ao lutar para viver e sobreviver. Já a classe dominante, para preservar seus interesses, está sempre ameaçando as liberdades democráticas que servem ao povo. Mesmo que ao fazer isso, algumas vezes acabe restringindo até mesmo as liberdades que servem a setores da própria classe dominante.

O que, aliás, resulta em reviravoltas curiosas, como a de um certo economista-youtubber que foi para as ruas em 2016 defender o impeachment, foi para as rádios atacar Lula e Haddad em 2018 e hoje posa de antibolsonarista desde criancinha, com direito a dar palpites em reuniões do PT e entrevistar o Lula.

Enfim, não concordo com Dirceu, quando ele fala que seus argumentos sejam simples, quase simplórios. Na minha opinião seus argumentos não são simples, nem simplórios, são apenas democrático-liberais.

Claro que há várias passagens do texto de Dirceu que coincidem integralmente ou parcialmente com o que eu penso. E, como ele, não quero viver sob “uma ditadura de caráter neofascista e militar, um governo familiar de milicianos e defensores não apenas da tortura e assassinato político, mas do fundamentalismo religioso e do obscurantismo, de negação da ciência e da liberdade”.

Minha divergência principal com ele está em que, na minha opinião, a linha que ele propõe para enfrentar este perigo terá tanto êxito quanto a que adotamos, a partir de 2005, para enfrentar a operação armada pela extrema-direita.

Aliás, Dirceu mesmo reconhece ser “verdade que nossa direita liberal e mesmo alguns na centro-direita sonham em conviver com um Bolsonaro domesticado e são seus aliados na manutenção dos interesses financeiros internacionais e dos rentistas internos, da mais iníqua e injusta concentração de propriedade, riqueza e renda do mundo”.

Mas, paradoxalmente, ele afirma que “até agora Bolsonaro não se tornou um ditador, na prática, pela atuação da oposição e pelo impedimento que a Suprema Corte ou o Congresso Nacional lhe têm imposto e pela ampla e radical oposição da mídia monopolista a seu crescente autoritarismo e obscurantismo. Estou dizendo uma inverdade?”

Não, não está dizendo nenhuma inverdade. Como aliás é de todo óbvio, se os demais setores do golpismo não oferecessem resistência e defendessem seus interesses, Bolsonaro já seria nosso fuhrer.

Mas se não é inverdade o que Dirceu diz, tampouco é toda a missa.

Pois cabe lembrar que Bolsonaro não é apenas uma pessoa, nem um clã. Bozo é um protagonista importante de um projeto de país, de um projeto reacionário, que se totalmente vitorioso nos fará voltar aos anos 1920.

Por isso, organizar nossa política em torno do que fazer ou deixar de fazer apenas com a pessoa física ou jurídica de Bolsonaro, pode nos fazer tratar Mourão e outros do gênero, não como os “adultos da sala”, como certos tolos gostam de dizer, mas como os “democratas” da sala.

Por isso, aliás, que o PT tem insistido não apenas no impeachment, mas no “fora Bolsonaro, fora Mourão, fora seu governo, suas políticas, convocação de novas eleições”.

O problema do raciocínio de Dirceu, portanto, não é que seja uma “inverdade”. O problema é que, preocupado com o avanço da ditadura pessoal e do clã e do bolsonarismo estrito senso, minimiza o avanço da ditadura sistêmica, de um regime de exceção que vem sendo construído por dentro e há tempos.

Não custa lembrar que Bolsonaro não precisou se tornar um “ditador” para que 55 mil pessoas morressem e para que quase 40 milhões vivam sem emprego.

A verdade é que está em curso a formação de um novo regime, de uma “democracia-de-exceção”, indispensável para controlar um país de 210 milhões, em que 40 milhões estão jogados no desemprego e outros tantos na precariedade.

Na formação deste novo regime, a grande mídia, a maioria do congresso e do supremo são protagonistas.

Num certo sentido, Bolsonaro cumpre um papel útil para distrair a atenção, enquanto eles “passam a boiada” da exceção.

E quando ele cair, isto poderá ter o efeito de “tirar o bode da sala”, citado na conhecida piada.

Mas a sala, a esta altura do campeonato, não terá mais nada que ver com a democracia, em qualquer sentido popular que esta palavra possa assumir.

Quem dera, portanto, que nosso problema fosse apenas o cavernícola.

Na parte final do texto, Dirceu fala de Ciro e Marina como “candidatos à esquerda”, fala da “necessidade de deter o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social”, fala da “marcha insensata das chamadas reformas de Guedes” e diz que “as derrotas de Macri e Macron deviam nos servir de lição”.

São tantas as emoções, que é melhor ir passo a passo.

Claro que sempre alguém pode estar à esquerda de alguém. Mas não acho que seja possível chamar Ciro de esquerda. A esse respeito, recomendo ler o texto a seguir: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-politica-de-odio-de-ciro-gomes-por-vivaldo-barbosa-brizolista-e-trabalhista-historico/

Claro que devemos lutar em defesa de determinadas instituições do Estado e em defesa de determinadas políticas públicas e sociais.

Mas falar que está em curso o desmonte do Bem Estar Social, é falar de algo que nunca existiu em nosso país. Sem falar que não se está “desmontando” o “Estado nacional”, mas sim reforçando a dimensão mais brutal, repressiva e antissocial do Estado realmente existente.

Claro que as “reformas” de Guedes são um horror para o povo, mas não são “insensatas”. Este tipo de linguagem supõe que exista um parâmetro comum entre o povo e as elites; mas este parâmetro não existe, como a pandemia mais uma vez demonstrou. É preciso abandonar esta linguagem que nos induz a erro. Guedes é extremamente “sensato-do-ponto-de-vista-dos-setores-financeiros”.

Isto posto, vamos ao que realmente interessa: ao falar de Macron e de Macri, o que Dirceu está nos dizendo é para construir uma política tendo em vista 2022.

A rigor, eu não sei por qual motivo Dirceu não compareceu ao ato por Direitos Já, na sexta-feira 26 de junho.

Pois, como confessou inadvertidamente ao final um de seus organizadores, o plano real é esse: construir uma “frente democrática”, cujo objetivo real não é tirar Bolsonaro, mas sim construir uma frente eleitoral em 2022, em que a esquerda entre com os votos e com a música, deixando para os tucanos a candidatura presidencial e deixando o miolo do programa para os social-liberais.

Dirceu chega a escrever o seguinte: “construir uma Frente Democrática pelo impeachment e na luta e na unidade avançar para um programa mínimo mais amplo como foi o das Diretas que desaguou na Constituinte de 1988”.

O movimento das Diretas começou em 1983 por iniciativa do PT e foi traído, em 1985, pela burguesia liberal. O que desaguou no Congresso (e não Assembleia) Constituinte de 1988, portanto, não foi um, mas vários movimentos e programas mínimos diferentes entre si. Se o PT tivesse feito, naquela época, o movimento que Dirceu defende agora, o resultado teria sido uma Constituição ainda mais recuada.

Claro que Dirceu alerta que “conforme a radicalidade e amplitude da luta contra Bolsonaro, teremos um ou outro resultado. As ruas, as mobilizações e a entrada das classes trabalhadoras na luta – as classes médias só aguardam o fim da pandemia para sair às ruas — ditarão o rumo e o conteúdo das mudanças pós Bolsonaro”.

Claro, também, que Dirceu diz que “nossa tarefa é mobilizar e organizar as classes trabalhadoras, até porque os mais pobres, explorados, discriminados já estão nas ruas. A greve geral dos trabalhadores de aplicativos marcada para 1o de julho é um exemplo. A experiência recente prova que as classes médias conservadoras ou progressistas têm grande poder de mobilização até porque recebem um tratamento especial dos meios de comunicação”.

Aliás, nestes dois parágrafos aparece outro tema importante, mas que exigiria outro texto para ser abordado com algum cuidado: a relação que tem a polêmica frente ampla X frente de esquerda, com uma determinada concepção acerca da relação entre a classe trabalhadora e os setores médios.

Seja como for, admito que sempre pode ser que eu esteja exagerando quando falo de concepções democrático-liberais. Mas, como diria Dirceu, com certeza não estou dizendo uma inverdade.

Acontece que, ao contrário da lenda, Dirceu é fundamentalmente um tático, não um estrategista. E por isso mesmo, ele é capaz de apresentar, no mesmo texto, respostas contraditórias e as vezes até antagônicas para uma mesma questão.

Um exemplo disso é como ele termina o texto: “Se a direita liberal ou conservadora não quer fazer o impeachment de Bolsonaro, cabe a nós, das esquerdas, fazê-lo, disputando as classes trabalhadoras e base social democrática dessas forças. Isso exige formar uma ampla frente democrática pelo impeachment e, dentro dela, construir uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país.”

Ou seja, se a frente democrática não for possível, por culpa da atitude de nossos supostos aliados, faremos sem eles o mesmo que queríamos fazer com eles.

Mas cá entre nós: se somos capazes disso, por qual motivo deveríamos mais uma vez insistir na crença de que existe um “centro-verdadeiramente-democrático” em nosso país?

Já não basta o que ocorreu entre 2014 e 2020? Já não basta Xangai?

Leia o texto completo do José Dirceu aqui.

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