TAV: É UM ERRO FICAR NA ARQUIBANCADA

Em entrevista dada à Folha de São Paulo no último dia 24 de março, o Ministro dos Transportes, Renan Filho, perguntado se o governo poderia entrar como sócio do projeto do Trem de Alta Velocidade, considerando que a opinião corrente de analistas é a de que o projeto não para de pé sem dinheiro público, respondeu: “…seria bom para o Brasil ter um trem-bala que liga o Rio a São Paulo de maneira rápida e barata. A chance de que não dê certo é grande, mas eu torço para que dê certo. Só que é uma obra de 50 bilhões de reais. O Brasil investiu 5 bilhões no ano passado em todo o setor…O Governo não tem como decidir por uma despesa desse tamanho.”

Essa resposta do Ministro dá o que pensar.

Se o projeto é bom e necessário, por que não pelejar por ele? Torcer apenas não é, a meu ver, uma atitude adequada. De onde o Ministro tirou a conclusão de que o projeto tem grande chance de não dar certo? Pelo custo das obras apenas? Ou ele avalia que o problema estará no retorno financeiro insuficiente dos investimentos, face a receitas aquém do esperado?

De fato, uma obra avaliada em 50 bilhões de reais é arriscada e desafiadora. Contudo, a resposta do Ministro dá a entender que ele não soube da deliberação da ANTT, autorizando empresa privada a desenvolver e implementar o projeto exclusivamente às suas expensas, dispensando a participação financeira do governo, ou ficou indiferente a ela. De todo modo, é importante, desde logo, chamar a atenção para o fato de que caso o governo fosse desafiado a investir no projeto, como parceiro da iniciativa privada, tal desafio não estaria, salvo melhor juízo, fora do seu alcance, pois, pelas projeções, a obra completa do TAV se arrastará por pelo menos dez anos, implicando em desembolsos anuais compatíveis com a capacidade orçamentária do governo, mesmo considerando as restrições do atual momento. Hipoteticamente, caso coubesse ao governo 50% dos investimentos, isso significaria desembolsos anuais médios de 2,5 bilhões.

E quando falamos em governo, não podemos nos restringir à União, pois os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo deveriam também compor eventual parceria.

Concentremo-nos no seguinte fato: a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, conforme sua Deliberação nº 47, de 17/02/2023, outorgou à Empresa Brasileira de Trens de Alta Velocidade SPE LTDA – TAV Brasil a autorização para empreender o projeto do Trem de Alta Velocidade de ponta a ponta, com início das operações em 2032, sem qualquer aporte financeiro governamental. Repitamos: sem qualquer aporte financeiro governamental. Essa situação diz respeito à modalidade “Autorização”, no regime de direito privado, conforme o que preceitua o inciso I do artigo 8º da Lei nº 14.273, de 23 de dezembro de 2021, que estabelece o marco legal ferroviário. Chama a atenção o parágrafo 6º do artigo 25 dessa Lei, literis: “Cumpridas as exigências legais, nenhuma autorização deve ser negada, exceto por incompatibilidade com a política nacional de transporte ferroviário ou por motivo técnico-operacional relevante, devidamente justificado”. Gostemos ou não dessa modalidade, o fato é que ela existe legalmente e está sendo aproveitada pelo empreendedor.

Se o empreendedor tem bala na agulha e será capaz de atrair outros investidores privados para se associarem a ele e conseguirem, juntos, 50 bilhões de reais para investir em obras e tocar o projeto do TAV na modalidade escolhida é outra história. Na minha opinião não tem, pois é o que nos ensina a experiência internacional, mas essa é apenas uma opinião.

Há ainda uma outra situação que não pode ser desprezada. Supondo-se que as obras sejam milagrosamente concluídas no prazo previsto (ou com algum retardo, não importa) e tudo esteja pronto para o TAV entrar em operação. Aí o empreendedor, face aos elevados custos operacionais e à necessidade de recuperar o capital investido, se depara com uma demanda de passageiros e cargas e, portanto, receitas, aquém do esperado, impondo dificuldades no fluxo de caixa e trazendo prejuízos e incertezas ao projeto e até riscos de falência. De novo, é importante buscar a experiência internacional, pois essa situação é recorrente em vários países que adotaram o TAV.

Penso que a modalidade “Autorização”, no regime de direito privado puro, excluindo o governo como parceiro, é uma temeridade, senão um delírio, para um projeto de tal dimensão. E obviamente suscita incredulidade. De todo modo, é irresistível perguntar: se considera bom e necessário o TAV, como afirma o Ministro, o governo vai ficar na arquibancada torcendo para o projeto dar certo, mas sem mexer uma palha? Ocorre que se a empresa autorizatária, a partir de agora, der mostras de que não está para brincadeira e tomar medidas arrojadas que façam avançar o projeto, é previsível que mais dia menos dia seu caminho se cruzará com o do governo. Já é possível vislumbrar que o primeiro cruzamento será quando se colocar a necessidade do licenciamento ambiental para a efetivação das obras.

A meu ver, o governo não deveria assumir um papel passivo nesse cruzamento inevitável. É fundamental que demonstre interesse proativo, convocando o empreendedor para dar explicações sobre a concepção global do projeto e suas implicações. Afinal de contas, o TAV é um serviço a ser prestado à sociedade. Por outro lado, outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à exigência de conteúdo nacional para os equipamentos do material rodante e os relativos ao controle de tráfego, na perspectiva da reindustrialização do país. Nesse sentido, o BNDES, como eventual fonte de financiamento, certamente terá papel fundamental.

Numa situação adversa, enfim: e se no meio do caminho, a autorizatária perder fôlego e sucumbir, abandonando o projeto? Ou mesmo se o órgão regulador, diante de infrações graves da autorizatária, cancelar a outorga? Claro, numa ou noutra situação, é prevista a possibilidade de outro empreendedor privado, mediante determinadas condicionantes, e a critério do órgão regulador, vir a assumir o lugar do empreendedor que não deu conta do recado e tocar o projeto adiante. E se não aparecer esse interessado providencial? O canteiro de obras vai ser abandonado e virar ruínas? O governo de plantão nessa circunstância vai fazer cara de paisagem e deixar isso acontecer?

Por fim, quero reagir aos comentários feitos pelo jornalista e escritor Elio Gaspari, numa matéria de sua autoria publicada no último dia 25 de fevereiro, ao comentar sobre a outorga concedida pela ANTT à empresa TAV Brasil para implementar o trem de alta velocidade. Figurou na matéria a seguinte manchete: “Lembra do trem-bala? Ele voltou. Governo Lula voltou a sonhar com o que foi pesadelo” (grifo meu).
Para ser justo com o Governo Lula, Elio Gaspari deveria ter deixado claro que a ANTT, por força de lei, goza de autonomia para conceder outorgas de tal natureza e, por essa razão, sua decisão independeu de autorização governamental, embora, a meu ver, tivesse sido de bom alvitre interagir com o governo antes de conceder dita outorga. Ou seja, a decisão de ressuscitar o “trem-bala” deve ser atribuída exclusivamente a essa agência e não ao Governo Lula, o qual, conforme se pronunciou o Ministro dos Transportes, Renan Filho, não cogita investir em tal projeto.

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