Walter Benjamin, um judeu alemão, que se suicidou para escapar à perseguição do nazismo, quando fugia, na fronteira entre França e Espanha, foi um heterodoxo crítico literário/filosófico marxista, que previu o desastre nazista. Prever o desastre, não é, de maneira derrotista, sucumbir preventivamente a ele. Ao anunciar a falência da ideia de progresso e a esterilidade das oposições democráticas de esquerda ao nazismo na Alemanha, Walter virou o profeta do imenso genocídio que viria a se configurar diante dos olhos de quem não acreditava que o país mais culto e letrado de Europa fosse capaz de gestar o mal absoluto, o nazi-fascismo.
Venho falando de fascismo no Brasil desde 2013. Eu alertei que a Lava-jato, o macarthismo brasileiro, era um movimento de fundo fascista, que queria judicializar a política no Brasil, criminalizando toda a esquerda. O bolsonarismo é um passo além, ele tem tendências paranóicas e psicopatas que vão um grau acima, chegam ao nazismo. Entre o nazismo e o fascismo, irmãos siameses, há uma questão de gradação. Mussolini (admirado e, no princípio copiado por Hitler), nem criou progons e nem campos de concentração. O festim diabólico apelidade de reunião ministerial, que mas parecia o set de filmagem de Saló de Pasolini, revelou ao Brasil, abertamente, o pensamento nazista aberto de Bolsonaro, de Weintraub, e de Damares.
Estes intentos nazistas são corroborados pelas falas golpistas e tirânicas do General Heleno, que conseguiu açular alguns militares de reserva. O perigo do nazismo em Bolsonaro é que, ao contrário da ditadura militar de 1964, ele não tem nenhum projeto de país. Braga Neto na reunião parecia alguém que quisesse ensinar balé aos símios. Um governo que perde rapidamente sua base de apoio e que aposta cada vez e mais na radicalização, apelando para um exército de fanatizados, que, no entanto, por todas as pesquisas, deve atingir entre 20% e 30% do eleitorado brasileiro, o suficiente para gerar o caos, o confronto, um conflito civil e dar as desculpas para rasgar as últimas garantias constitucionais.
Não, eu não mudei de posição, quem alerta para o desastre não diz que o desastre é inevitável. Pessimismo em análise não é derrotismo, “pessimismo na análise, otimismo na ação”, diria Gramsci. Reitero, alerto para o avanço do fascismo desde 2013, desde 2016 mostro elementos nazistas nas falas de bolsonaro. O ódio às mulheres (misoginia, pulsões anais sado-masoquistas reprimidas são características da histeria em massa nazi-fascista), homofobia, racismo, desejo de exterminar o inimigo imaginário, Bolsonaro nunca escondeu isto em seus discursos. Assustador e revelador foi vê-lo falar de seus intentos abertamente em uma reunião ministerial.
Passos para montar um exército de milicianos nazistas, Bolsonaro e seus filhos metralha já tem dado de maneira aberta. O motim nazi-fascista no Ceará teve a participação aberta do bolsonarismo. Durante a ditadura militar, militares de baixa patente, praças e paramilitares eram apenas uma linha auxiliar do regime. Não acertamos a conta com nosso passado. A anistia perdoou os criminosos e, sadicamente, perdoou as vítimas, igualou quem matou e quem morreu. Anistiou criminosos, igualando suas vítimas aos torturadores. Os esquadrões da morte, as milícias, todas as organizações paramilitares são herança da ditadura. Todavia, a história não se repete, a primeira vez ela acontece como tragédia, a segunda vez, como farsa. Se na ditadura militar, o imenso contingente de oficiais de reserva, praças e baixas patentes, tanto das forças armadas, quanto das PMs, era uma linha auxiliar controlada facilmente pelo regime, com Bolsonaro (que no máximo teria atuado em 64 como algum torturador do delegado Fleury), eles tornam-se constituintes de um poder que se organiza de maneira subversiva e paralela, e chantageia e pressiona todo o tempo o Estado Democrático de Direito.
A finalização de um golpe, com a tirania pessoal de Bolsonaro não é o único perigo para a democracia. Já vi várias análises dizendo que este golpe é inevitável (não concordo com este fatalismo, embora também alerte para o perigo golpista). Com certeza Bolsonaro tem esta aspiração e força os limites de nossa pálida democracia, toda semana. Mas, como ele mesmo diz, se vê limitado pelos 300 bostas com seus cartazes pró AI6 que ele consegue reunir na frente do Palácio do Planalto. Enquanto não consegue finalizar seu intento de uma tirania pessoal, vai financiando e armando suas milícias pessoais. Já conseguiu emplacar até o advogado do escritório do crime como assessor no ministério da saúde, não temos ideias de quantos mais milicianos estão nomeados em cargos de terceiro, quarto ou quinto escalão pelo país. O nazista disse abertamente na reunião ministerial que quer armar o povo (suas milícias) para derrotar o inimigo imaginário. Quem for considerado inimigo, ele já declarou diversas vezes, deve ser expulso do país ou sofrer as consequências. E quem pensa que é delírio, é bom lembrar que Bolsonaro aumentou o limite de compra de projetis de 200 munições por pessoa/ano para 500 por mês (6.000 por ano), o que dá para montar pequenos exércitos milicianos. Junte-se a isto a medida que afrouxa a marcação controle de munições por parte do exército (para o que chegou a exonerar um general e colocá-lo na reserva). Todos estes movimentos aconteceram sob nosso olhar complacente, sem nenhuma reação nossa.
O perigo das milícias nazistas é tanto maior que o do golpe. O Brasil se transformar na Colômbia, onde bandos paramilitares agem livremente assassinando opositores à luz do dia. Já temos isto feito de forma aberta no campo brasileiro, já houve uma experiência de terror controlado, executada pelo mesmo escritório do crime ligado ao bolsonarismo, no caso Marielle. Devemos tomar as medidas democráticas legais para que o crescimento e a armamentização das milícias não avancem mais do que avançou. Lembrando que o Rio de Janeiro, território onde o bolsonarismo foi criado, já tem bairros inteiros dominados por ela, às claras, e com a total omissão do poder público.
O passo mais descarado e ostensivo para isto foi dado por Paulo Guedes. Espanta-me que a esquerda tenha protestado apenas contra o “trabalho escravo”, quando Guedes tem a coragem de anunciar que quer treinar jovens nos quartéis e depois usá-los para cavar buracos, pagando 200 reais por mês. O menos ruim aí é o trabalho escravo.
Creio que a maioria das pessoas nem se deram conta de que Guedes sugeriu criarmos a guarda nazista, a juventude-hitleriana bolsonarista, com dinheiro público. O problema é que a esquerda introjetou o absurdo. Alguns estados governados pela esquerda aceitaram a excrecência que são as escolas cívico-militares, colégios de “pedagogia” militar em plena democracia. Algo não previsto em lugar nenhum da nossa constituição, mas que diante da falta de verbas, quando condicionadas a elas, foram aceitas avidamente de norte a sul. Mas, muito pior do que isto é a proposta de milícias estatatais bolsonaristas feita por Guedes.
O governo financiaria jovens que iriam para os quartéis serem doutrinados com “OSPB” e, depois, por 200 reais por mês, estariam disponíveis para “ações governamentais”. OSPB nem matéria escolar é. Tenho 49 anos, portanto, sou da geração que teve OSPB e Moral e Cívica na escola, se dava nesta matéria, aquilo que cada escola desejava. Obviamente que, usando-se as forças armadas para amestrar jovens, através de “OSPB”, não vai se ensinar a eles “direitos humanos”. Jovens pobres (nenhum jovem de classe média vai se alistar para ganhar 200 reais por mês) que serão doutrinados e estarão ao dispor do Bolsonarismo, para qualquer ação por uma ninharia, e tudo pago com dinheiro público. Óbvio que temos que evitar isto e como evitar isto, a maior tragédia é que de maneira clara e aberta o bolsonarismo tenha coragem de propor a criação de uma milícia paga com dinheiro público, sem acobertamentos, sem subterfúgios.
O anjo da história, tese IX de Benjamin, olha para o passado, para a sucessão de tragédias e catástrofes, para o sofrimento dos humilhados e derrotados, mas é impelido por um vento irresistível para o futuro. É impossível parar a roda da história, mas sim, é possível evitar as catástrofes, as tragédias, antes que elas aconteçam. O bolsonarismo já desdenha ocultar que declarou uma guerra de morte à frágil democracia brasileira. Temos que estar alertas e desarmar seus planos, destruir sua tentativa de criação de um gigantesco exército paramilitar. Ou paramos esta construção, o autômato do mal absoluto e estrutural, ou ele ficará maior que Bolsonaro.
Um exército de paramilitares, milicianos, armados até os dentes, de jovens alistados e mal pagos para cumprir tarefas de uma seita nazista, lutando contra um inimigo imaginário, é uma séria ameaça à democracia, que está sendo arquitetada, tijolo por tijolo, frente a nossos olhos complacentes.