Um grande debate que está posto não só entre acadêmicos, mas na sociedade como um todo, é se o mundo mudará após a pandemia, ou inclusive se teremos uma nova ordem mundial. Tenho refletido sobre isso há alguns anos, tendo sido esse tema parte de meu livro sobre Geopolítica mundial que lancei em 2019. Quero neste artigo periodicisar as ordens e tecer comentários sobre uma possível nova ordem.
Noam Chomsky talvez seja o maior pensador vivo da atualidade, ele que já é nonagenário. Um de seus livros tem o título desse artigo (livro de 1996 editado pela Escritta, esgotado). Tenho e li toda a obra de Chomsky traduzida e publicada no Brasil. Tomo emprestado esse título para apresentar neste artigo para tentar sistematizar em ordem cronológica, todas as ordens mundiais da qual eu reconheço terem existido desde meados do século XV. Mais precisamente desde a conquista de Constantinopla em 1453, portanto há 567 anos.
É preciso esclarecer que esse corte histórico é arbitrário e leva em conta principalmente o espaço de redação a que este artigo se destina. Poderíamos ter mencionado como primeira data de corte, o final do império romano do Ocidente, ocorrido em 476 da nossa era atual, quando os historiadores costumam mencionar o início da Idade Média. Ou ainda o ano de 800 (século VIII) quando Carlos Magno foi coroado pelo papa e sacramentado imperador do Sacro Império Romano, reunificando a Europa sob a batuta do cristianismo católico de Roma.
O segundo esclarecimento que precisa ser feito é a minha visão marxista na abordagem do tema, qual seja, levo em conta a materialidade do mundo, com base no materialismo histórico e na análise dialética dos fenômenos sociais e históricos. Levo em conta a luta de classe como motor da história, de forma que, quase que antecipando a conclusão, não é possível uma mudança profunda da sociedade sem que haja modificação de sua base econômica (modo de produção), bem como mudança decorrente do conjunto de ideias, ideologia, ética, estética e tantas outras coisas na mesma sociedade. O esforço que tenho feito há muito anos é organizar e sistematizar um pensamento marxista no campo das relações internacionais.
Por fim, como as ordens mundiais novas (que sucedem as anteriores, sem necessariamente que haja mudança de sistema econômico) não têm datas específicas em que elas ocorrem (ou para ocorrer), mas são processos que muitas vezes duram muitos anos, eu as apresentarei na forma de períodos históricos, onde comentarei os acontecimentos específicos em cada uma das datas apresentadas.
Lembro, mais uma vez, que a história é feita não por alguns homens e mulheres que se destacam, mas pelo conjunto das lutas entre as classes e decorrente do desenvolvimento das forças produtivas nas sociedades. Em cada período do que considero nova ordem mundial, listarei todos os fatos fundamentais, tratados, guerras e batalhas ocorridas de maior destaque.
1ª Ordem Mundial – De Constantinopla à Tordesilhas (1453 a 1494)
O mundo nessa época caminha para o final do sistema feudal e o sistema capitalista era emergente, ainda que não houvesse se consolidado ainda. É o que chamamos de “mundo em transição” de sistemas. Nem o velho sistema havia sido totalmente liquidado, nem o novo emergente tinha ainda forças para se consolidar. Era uma época que as sociedades eram “trinitárias”, como o caso da França, com o clero, a nobreza e o chamado terceiro estado (Piketty em seu novo livro Capital et Idéologie, 2019, editora Seuil, Paris, 1.198 páginas, sem tradução ainda no Brasil). O terceiro estado era composto, segundo ele, por 95% da população e a burguesia, enquanto classe social, ainda estava em formação.
Nesse período de 47 anos destacam-se, principalmente, o ano de 1453 quando ocorre a Conquista de Constantinopla pelos turcos de tribos turcomenas, situadas na Ásia Central, eles que já haviam sido convertidos ao islamismo. Essa conquista é decorrente do cerco de 59 dias da cidade que sediava o Império Romano do Oriente. Ela foi liderada por Mehmet II (Mohammad II, ou Maomé II). Aqui presenciamos o antigo Império Islâmico mudando de mãos, passando o seu comando da etnia árabe para a turca. Isso afetou a maneira como o império era conduzido em pelo menos um terço da humanidade, dada a extensão desse império. Mas, mais do que isso, alterou a forma como um governo islâmico aplicava os ensinamentos corânicos, com sérias e graves consequências, como ocorrerá no período de 1895 até 1933 (Simele, no Iraque), onde uma visão distorcida do Islã (sunita) e do seu livro Alcorão, de perseguição implacável de cristãos (lembremo-nos da data simbólica de 24 de abril de 1915 quando mais de três milhões de cristãos armênios, assírios, arameus, caldeus e gregos foram massacrados, um verdadeiro genocídio).
Quero destacar em seguida as grandes navegações, que culminaram com a chegada de Colombo à América em 12 de outubro de 1492 e a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil em 21 de abril de 1500. No meio disso, um episódio fundamental e datado, foi a assinatura em 7 de junho de 1494 do Tratado de Tordesilhas (na cidade castelhana de mesmo nome), pelos representantes dos reis de Portugal e da Espanha (Castela), ratificados posteriormente em 2 de julho por Castela e 5 de setembro pela coroa portuguesa. Lembro que a assinatura desse tratado é um típico caso quando as classes dominantes (nobres no caso), dividiam o mundo entre elas. Por fim, destaco a expulsão de judeus e muçulmanos da península Ibérica pelos chamados reis católicos. Grosso modo, uma Ordem que perdura por 195 anos.
2ª Ordem Mundial – Paz de Westfália (1642 a 1651)
Ela compreende exatamente o período que ocorreu a Revolução Inglesa, 22 de agosto de 1642 até 3 de setembro 1651. Aqui nessa época ocorria a chamada Guerra dos 80 anos, ou a Revolta Holandesa, que foi de 1568 até 1648, quando o tratado de Munster foi assinado, que ficou sendo como parte da chamada Paz de Westfália, assinada formalmente em 24 de outubro de 1648, na cidade de Osnabruque (essas duas cidades ficam hoje na Alemanha). Esses tratados assinados (são dois no mesmo ano) também encerram a chamada Guerra dos Trinta Anos, que era um conjunto de guerras entre nações/feudos na Europa (1618-1648).
Já não era mais possível conviver com tantas guerras, com tantas mortandades e gastos imensos de recursos para sustentá-las. Não havia dinheiro (que fosse) suficiente para manter esse estado de coisas. Assim, representantes de várias e importantes Casas Monárquicas, em especial do Império Romano Germânico, França e Suíça, bem como a mais antiga da Europa, que foi a Casa Monárquica dos Habsburgos, que acabaram concordando com a assinatura desses dois tratados mencionados.
O mais importante para nosso entendimento, do ponto de vista dialético, é saber que reis e imperadores fazem um pacto de não agressão entre eles (isso não quer dizer que nenhuma guerra na Europa ocorreu depois disso), mas que o resultado disso e o mais relevante, é que emanou daí a fundamentação para o direito internacional moderno, como a criação do conceito de “soberania nacional”, ou seja, os países e reinos, passam a reconhecer todas as fronteiras acordadas. Daí emana também o conceito de não ingerência nos assuntos internos de outros países. Não havia, evidentemente, nenhuma menção sobre as situações dos povos e de temas como liberdades e democracia internas nessas monarquias. Muito ao contrário. Era o período que a Europa vivia do absolutismo monárquico. Pode-se dizer que é uma ordem que duraría 128 anos.
3ª Ordem Mundial – Das revoluções burguesas à Primeira Guerra Mundial (1776 a 1916)
É nesse intervalo que menciono muitas coisas, fatos e eventos que ocorreram e pretendo comentá-los resumidamente, pelo menos os principais. Aqui, mais uma vez, registro que esta periodização para efeitos de estudos e pesquisas que é o que tenho desenvolvido sobre essa temática de ordens mundiais. Seguramente, outros autores e historiadores com certeza têm outros forma de periodizar essas época.
Inicio o período com a revolução estadunidense de 4 de julho de 1776, quando, sob a liderança da burguesia colonial dos Estados Unidos, decidiram decretar a independência das 13 colônias inglesas até então existentes. Essa data é marcante por ser o dia que foi assinada a Carta da Independência, redigida por Thomas Jefferson, que posteriormente viraria a ser o terceiro presidente dos EUA (George Washington, encarregado de organizar o exército de guerrilha pela independência sería o primeiro). Esse é um período onde a burguesia nacional dos países mais importantes, vão organizar movimentos e revoluções para ascenderem ao poder central, destronando velhos e carcomidos reis e imperadores, desmontando seus impérios e reinados. Simplesmente tomam o poder político para si. A Inglaterra, tão distante dessa região, sem experiência em enfrentamento de guerras dessa natureza (tipo guerrilha mesmo), decide reconhecer a independência. Aqui registro que a próprio Revolução Inglesa (1642, bem antes das outras, decide manter a monarquia, criando o sistema parlamentarista, de forma que o rei seguiria reinando, mas sem governar. Daí o ditado popular “reina, mas não governa).
No dia 14 de julho de 1789, 13 anos depois da Revolução Americana, eclode a que talvez viesse a ser a maior e mais importante revolução transformadora que a humanidade já tinha presenciado até então, que foi a Revolução Francesa. Marx a estudou em profundidade. Aqui é o período que podemos dizer que o feudalismo estava sendo completamente liquidado e o capitalismo já se havia consolidado (registro a invenção da máquina à vapor por James Watt na Inglaterra em 1777). Aqui fala-se em Revolução Industrial (sem a participação do povo), que implantou profundas mudanças na forma de produzir as mercadorias, que impactaria em definitivo na modificação do modo de produção, consolidando definitivamente o sistema capitalista.
Mudanças profundas na organização da sociedade francesa ocorreram, sob o comando da classe social burguesa, em aliança com o proletariado francês, que também participou ativamente (ainda que não como força dirigente). Conceitos novos e revolucionários, como escolas integralmente públicas e gratuita e separação total entre Igreja e Estado foram adotados amplamente. Aqui então, a burguesia aparece como classe revolucionária (hoje não cumpre esse papel; ao contrário, aparece como classe reacionária, tentando dar passos atrás de todos os seus feitos da época).
No entanto, a história jamais foi linear. Houve momentos de grandes retrocessos e este período registra exatamente isso. Em 1800, Napoleão Bonaparte toma o poder na França, proclama-se seu imperador (liquidando a República francesa), expande seu império para a maior parte da Europa (vai perder na Rússia, como todos na história; lembremo-nos de Halford John Mackinder com sua teoria do Heartland). Pode-se dizer que, com isso, ele contribui para a liquidação da Ordem Westfaliana de 1648 e praticamente destroça as monarquias absolutas europeias (lembremo-nos da fuga da família imperial portuguesa para o Brasil, aqui chegando em 22 de janeiro de 1808 em Salvador, Bahia; recomendo fortemente a leitura de 1808 de Laurentino Gomes, 2007, 404 páginas, editora Globo, sucessora da Planeta).
O final do império napoleônico e fim das guerras na Europa vai ocorrer quando Napoleão Bonaparte é derrotado na famosa batalha de Waterloo em 18 de junho de 1815. Ele viria a ser preso e confinado na ilha de Santa Helena até sua morte em 1821. Mesmo antes do final de seu império, onde Napoleão sería sucedido pelo mesmo imperador que destronou – Luiz XVIII – fora convocado o chamado Congresso de Viena, ocorrido entre setembro de 1814 até junho de 1815 (aqui recomendo a leitura de Ritos de paz – A queda de Napoleão e o Congresso de Viena, de Adam Zamoyski, Editora Record, 2012, 614 páginas). Ele fora presidido pelo príncipe Klemens Wenzel von Metternich, herdeiro do trono do império Austro-Húngaro (Casa dos Habsburgo, a mais antiga monarquia da Europa).
Se pudéssemos resumir em apenas uma frase o grande e real significado desse convescote monárquico de nove meses, eu diria que ele foi a revanche das monarquias absolutas, destronadas pela revolução Francesa e pelo império napoleônico. Ocorreu o que os historiadores chamam de Restauração do Absolutismo Monárquico. Desde essa época havia sido estabelecido a chamada Santa Aliança, selada em 26 de setembro de 1815 pelo Império Russo, Império Austro-Húngaro e Reino da Prússia (posteriormente Alemanha), por iniciativa do Czar Alexandre I. Tal Aliança, sem a Rússia e com o Império Otomano, deflagará a Primeira Guerra Mundial (que os historiadores chineses chamam de “Guerra Civil Europeia”). Contra essa aliança seria formada a chamada Tríplice Entente.
Essa reviravolta das monarquias absolutas vai perdurar até a ocorrência da Comuna de Paris, em 1871, evento esse dirigido pelo proletariado parisiense, inspirado pela nova ideologia fundada por Karl Marx, que governa Paris por menos que três meses, quando é liquidada na maior carnificina que se tem noticia na França. Vendo em perspectiva, podemos dizer que essa foi uma era em que a burguesia e seus ideais foram consolidados, tendo demorado pelo menos quase cem anos (1776-1871). Aqui posso dizer, sem sombra de dúvidas, que essa era perdura até o período pouco anterior à Primeira Guerra Mundial. Em números gerais podemos dizer que ela dura 140 anos.
4ª Ordem Mundial – Da Primeira Guerra à Nova Arquitetura Financeira Internacional (1916 a 1944)
Os principais fatos desse período, passo a listar a seguir:
- Acordos de Sykes-Picot – A I Guerra ainda em curso e França e Inglaterra acertam a partilha do mundo árabe. Ele ocorre em 16 de maio de 1916, assinado secretamente, tendo sido revelado ao mundo por Lênin, após a Revolução Bolchevique de Outubro de 1917;
- Revolução Russa de 25 de outubro (7 de novembro pelo novo calendário) de 1917;
- Tratado de Brest-Litóvski de 3 de março de 1918, assinado pela Rússia (de Lênin) com a Alemanha, para a saída da guerra;
- Armistício assinado em 11 de novembro de 1918 (tecnicamente falando, a Primeira Guerra Mundial não terminou);
- Criação da Liga (ou Sociedade) das Nações 28 de abril de 1919, ratificada pelo Tratado de Versalhes de 28 de junho do mesmo ano.
Aqui é preciso registrar que os vencedores da Primeira Guerra Mundial, França e Inglaterra, passam a dar as cartas em praticamente toda a Europa e boa parte do mundo, que irão dividir entre si. Observe que ainda que uma nova ordem mundial esteja sendo estabelecida, o sistema econômico segue sendo o capitalismo, ainda que a imensa Rússia havia saído do sistema (que viria a acabar em 1991, realizando o que Erick Hobsbawn chama o “curto século XX”, que se inicia em 1917 e acaba em 1991). Mesmo fraca a Alemanha seguia como potência. Pode-se dizer que esse mundo da época era multipolar, com vários polos na Europa e os EUA, ainda emergentes como outro polo, bem como a Rússia, que se transformaria em URSS em 30 de dezembro de 1922.
Não é foco deste trabalho entrar em detalhes sobre a Conferência de Versalhes, mas ao ter rejeitado dez dos 14 pontos da proposta de Woodrow Wilson (1856-1924) para que se estabelecesse uma “Paz sem Vencedores”, a maioria dos historiadores não têm dúvidas em afirmar que ali nesse tratado estava o embrião da Segunda Guerra, esta sim Mundial e o estabelecimento de uma Europa nazifascista com personagens como Mussolini e Hitler, entre outros ditadores menores (Franco e Salazar entre outros).
Importante ainda registrar nesse período (1916-1923), a realização da Conferência de San Remo ocorrida em 26 de abril de 1920, cujo objetivo foi a completa partilha do Oriente Médio árabe entre as potências vencedoras da Primeira Guerra, França e Inglaterra. Está última emerge como a maior potência imperialista da época, que já vinha sendo desde meados do século XIX. A sua moeda – a libra esterlina – era a praticamente a única com que se fazia as trocas e o comércio internacional (seu lastro em ouro estava garantido desde 1717). Por fim, é importante registrar a assinatura do Tratado de Lausanne em 24 de julho de 1923 (ele anulou o Tratado de Sévres, que a Turquia não havia reconhecido). Seu objetivo básico fora reconhecer a criação da nova República da Turquia e a divisão do espólio das terras do império Otomano, reconhecendo os termos do acordo de San Remo. Assim, essa ordem dura apenas 28 anos. Sua marca principal era a de um mundo bipolar (dois polos, EUA e URSS).
O marco histórico desse período vai contemplar a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, que perdura até 1945. No entanto, mesmo antes que ela tenha acabado – já se sabia que Hitler perderia a guerra – os aliados realizam uma Conferência que mudará a estrutura financeira internacional e ocorrerá a fundação da ONU, em 1944, como veremos a seguir na nova ordem mundial.
5ª Ordem Mundial – Do fim da Segunda Guerra ao fim da URSS (1944 a 1991)
Até esta 5ª Ordem Mundial – volto a insistir, de meu ponto de vista e tendo em conta a periodização histórica que eu estabeleci – vai até 1991, mais precisamente em dezembro desse ano, quando a bandeira da antiga União Soviética é arriada do Kremlin (sede do governo soviético) e a bandeira tricolor do império russo czarista foi hasteada. Um verdadeiro retrocesso. Quase todos os analistas internacionais que tenho lido não têm dúvidas que essa data é um marco de fim de uma Ordem e início de outra. Podemos dizer então que essa é uma ordem que dura apenas 47 anos.
A nova Ordem Mundial que surge vai ser a da hegemonia total dos Estados Unidos. O mundo bipolar havia desaparecido e dado lugar a uma nova configuração geopolítica mundial de unipolaridade. O mundo tinha agora um só xerife, quase que um dono único. O capitalismo havia vencido e o socialismo havia sido derrotado. Até um colega sociólogo estadunidense de triste memória – Francis Fukuyama – escreveu um livro badaladíssimo mas pouco lido, intitulado O fim da história e o último homem (livro publicado em 1992, editora Rocco, 488 páginas). Posteriormente, ele fez autocrítica dez anos depois, defendendo a volta dos estados nacionais fortes e negando a vitória final do capitalismo. Descrevo a seguir quais foram os principais episódios ocorridos nesse processo que valem ser registrados e que levaram ao desenvolvimento dessa Ordem Mundial.
Os principais eventos desse período relacionam-se, claro, com o desenvolvimento da 2ª Grande Guerra, esta sim mundial, chamada na URSS de “Grande Guerra Patriótica”. E o ano de 1944 marca dois grandes eventos. O início do processo de criação da ONU, em substituição à Liga das Nações de 1919, que teve início com as conferências chamadas de Dumbartom Oaks, série de reuniões preparatórias realizadas nos EUA, Inglaterra e URSS, que alinhavaram os projetos de uma nova organização mundial.
Ainda nesse mesmo ano, em 1º de julho (dura até 27 desse mês), realiza-se na cidade de Breton Woods, no Estado de New Hampshire, EUA, a famosa Conferência que leva o nome da cidade, que reuniu centenas de economistas e representantes de países do campo capitalista (o Brasil lá esteve com nove delegados, entre eles Roberto Campos, Octávio Gouveia Bulhões e Eugênio Gudin, economistas liberais). Nesse grande evento, cria-se uma nova arquitetura financeira mundial, com o declínio da libra esterlina como moeda do comércio internacional e com a ascensão dos EUA e da sua moeda – o dólar – como moeda de troca internacional, de reserva monetária dos países e de entesouramento pessoal. Até um lastro fora exigido para isso em ouro, equivalência essa rompida apenas em 15 de agosto de 1971, sob o governo Nixon (durou apenas 27 anos). A equivalência, apenas para registro, sería que 35 dólares poderiam comprar uma onça troy de ouro, equivalente a 28,34 gramas, ou 1,23 dólares cada grama de ouro (hoje a cotação está em 55 dólares o grama).
No ano seguinte, as datas principais foram a referente ao chamado Dia “D”, que foi o desembarque das forças aliadas ocidentais na Normandia em 6 de junho de 1945. Até nas datas importantes o Ocidente comemora em dias diferentes. Esse Dia “D” é celebrado em todos os países capitalistas e no campo socialista é comemorado o Dia da Vitória, como sendo 9 de maio, dia que o exército Vermelho ingressou em Berlim para liquidar a Alemanha Nazista e praticamente por fim à II Guerra, cujo armistício final sería assinado em vários momentos entre 2 e 11 de maio desse ano. A Rendição do Japão só viria em 2 de setembro de 1945 após a detonação das duas bombas nucleares nas cidades de Nagasaki e Hiroshima. O 9 de maio deste 2020 marca os 75 anos da vitória aliada na II Guerra e, claro, a derrota nazifascista.
Winston Churchil fará um discurso no Estado de Missouri nos EUA, onde ele vai mencionar pela primeira vez o termo “Cortina de Ferro”, no dia 5 de março de 1946 (nessa época ele não era mais primeiro Ministro da Inglaterra). Registro ainda a data da Independência da Índia ocorrida em 15 de agosto de 1947, após 90 anos de dominação britânica. À meia noite desse dia, considerado um dia de desgraça para a grande parte dos indianos, surgiu um novo país, chamado Paquistão, fruto de absurdo acordo aceito por Nehru com o imperialismo, que separou milhões de muçulmanos que tiveram que ser deslocados de suas casas para o norte do país (há um belo livro romance de Salman Rushdie chamados Os filhos da meia noite, 2006, Cia das Letras, 608 páginas). O grande escritor nascido indiano, Tariq Ali (de quem li todos os livros), perdeu sua nacionalidade de um dia para outro, tendo virado “paquistanês”. Ele foi o fundador e editor da conceituada revista inglesa New Left Review.
Também nesse mesmo ano, em 29 de novembro, a jovem ONU vota a Partilha da Palestina, rompendo a sua própria Carta das Nações que proíbe a Organização de criar estados. Nessa votação, por 33 votos a favor (57%), 13 contra e 10 abstenções (uma ausência, a Tailândia), a ONU autoriza que dois estados fossem criados em terras palestinas. Apenas Israel, em 15 de maio de 1948 instaura o seu estado, dia esse conhecido entre os árabes como a Nakba (desgraça, em árabe). Após longa luta pela libertação nacional, foi criada a República Popular Democrática da Coreia, instalada em 9 de setembro de 1948, assim como é criada a República Popular da China no dia 3 de outubro de 1949. O mundo, a partir desse momento, estava irremediavelmente dividido em dois, o campo capitalista e o chamado campo socialista, ambos competindo em todas as áreas do conhecimento e da guerra.
A fase final do desenvolvimento dessa nova Ordem Mundial
É preciso descrever os momentos finais dessa ordem. Alguns fatos e datas são marcantes, além da instauração de várias ditaduras em várias partes do mundo. A descolonização da África, decorrentes das guerras de libertação naquele continente. Os fatos mais marcantes do período foi exatamente a modificação e consolidação de um novo modelo de capitalismo, que sería o financeiro, já descrito por Lênin desde 1916 em sua obra magistral O imperialismo, etapa superior do capitalismo (Livraria Expressão Popular, 171 páginas).
Alguns autores, como Perry Anderson, menciona o início do modelo em 11 de setembro de 1973, quando Salvador Allende, presidente socialista do Chile é derrubado e, o ditador Augusto Pinochet assume o poder, trazendo os chamados Chicago ’s Boys, sob a liderança de Milton Friedman (Nobel de Economia em 1976). No entanto, a maioria dos autores entende que o neoliberalismo tem início de maneira consolidada com a posse de Margareth Thatcher como primeira Ministra da Inglaterra em maio de 1979. Em janeiro de 1981, Ronald Reagan, um obscuro ator de filme de segunda categoria nos EUA, toma posse como seu 40º presidente. Não bastasse esses dois governantes profundamente neoliberais, seguidores de Friedrich Hayek (autor de O caminho da servidão, de 1944), em outubro de 1978 iniciava o seu papado João Paulo II, Karol Wojtila, o papa polonês anticomunista. Esse foi o caldo de cultura que sepultou a Ordem advinda do final da segunda Guerra Mundial.
Em 1989, 10 anos após a vigência do modelo neoliberal em praticamente todo o planeta (à exceção do que havia restado do campo socialista, em especial Cuba, China, Vietnã, Laos e Coreia Popular entre poucos outros que não adotaram esse modelo), até uma conferência mundial econômica fora convocada para emanar os dez novos pilares do neoliberalismo, que fora batizado de Consenso de Washington por John Williams (em pleno governo José Sarney, o Brasil fora representado nesse evento pelo presidente do Banco Central, Pedro Malan, que viria a ser ministro neoliberal da Economia de Fernando Henrique Cardoso por longos oito anos seguidos).
Assim, entre a queda do Muro de Berlim, iniciada em 9 de novembro de 1989 e o fim da URSS transcorreram pouco mais de dois anos. Foi o que fora necessário para cair todo o leste europeu, chamado de “socialista”. Não havia ficado pedra sobre pedra nessa região. A Rússia cairia na mão de um alcoólatra chamado Boris Yeltsin, convocado pelos EUA para destruir o que havia restado da URSS de Gorbatchov com sua famigerada Glasnost e Perestroika. Registre-se que o aventureiro Saddam Hussein resolve ocupar o Kuwait em agosto de 1990 e o Iraque vai sofrer a sua primeira agressão em janeiro de 1991. Apenas para registro, a segunda agressão ao Iraque, de 2003, vai ocorrer não pelas Torres Gêmeas derrubadas em 2001 nos EUA, mas pelo fato que Saddam Hussein anuncia que pretendia comercializar seu petróleo em euros e não mais em dólar já em 2000.
A gestação da 6ª Nova Ordem Mundial
Como dissemos anteriormente, uma Nova Ordem Mundial não ocorre de um momento para outro, ainda que uma data específica, uma guerra, a assinatura de um tratado possam ser marcos importantes. Também como dissemos, nem sempre essa nova ordem traz um novo modelo socioeconômico, ou seja, nem sempre presenciamos uma mudança na super estrutura de poder dominante e mesmo na ideologia vigente. E aqui nova ordem implica nova política mundial, nova economia e um grande poder militar.
No entanto, temos a convicção que a partir de dezembro de 1991, o mundo vive essa nova Ordem Mundial. O que não temos certeza é quando uma nova Ordem Mundial passa a ser edificada que sería a 6ª Ordem, em minha periodização histórica. Resta-nos a partir de agora, listar alguns fatos marcantes desse novo período histórico, de apenas 29 anos, que entendemos como relevantes:
1996 – Criação da Organização de Cooperação de Xangai – OCX (Shangai Cooperation Organization, SCO na sigla em inglês), em 26 de abril de 1996, apenas cinco anos após o fim da URSS. Ela foi ratificada cinco anos depois em 15 de junho de 2001. É integrada hoje por oito membros plenos (Rússia, China, Índia, Cazaquistão, Paquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão), quatro países observadores (Afeganistão, Bielorrússia, Irã e Mongólia), mais seis parceiros para o diálogo (Armênia, Azerbaijão, Camboja, Nepal, Sri Lanka e Turquia) e mais três convidados permanente (ASEAN – Associação das Nações do Sudoeste Asiático; CIS – Comunidade dos Estados Independentes e Turcomenistão). É a maior organização política, militar e econômica jamais vista em todo o mundo asiático;
2001 – Em 11 de setembro, maior agressão interna sofrida pelos EUA no seu próprio território desde a Guerra Anglo-Americana de 1812. Foi quando as Torres Gêmeas de Nova York foram derrubadas em atentados terroristas onde morreram 2.996 pessoas;
2003 – Segunda agressão ao Iraque – tem início no dia 20 de março de 2003 e cuja ocupação do país perdura até 18 de dezembro de 2011;
2006 – Tem início a articulação, iniciada em setembro desse ano, da criação da aliança denominada BRICS, formalizada em 16 de junho de 2009 – Articulação político e econômico envolvendo o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. Desde 2011 o bloco de países realiza anualmente reuniões de cúpula. Em julho de 2014 ela foi realizada na cidade de Fortaleza, Ceará, sob a presidência de Dilma Roussef, quando foi criado o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, com capital inicial de cem bilhões de dólares (sempre afirmei que a presidente Dilma inicia a sua queda nesse episódio);
2007/2008 – Grande crise econômica nos EUA, que arrastou boa parte do mundo nesse período, seja pela quebra de importantes e imensos conglomerados econômicos e bancos de investimento (até a General Motors e o City Bank teriam quebrado não fosse a compra de ações pelo tesouro dos Estados Unidos). Fala-se na maior crise econômica desde a quebra da bolsa de Nova York em 24 de outubro de 1929;
2011 – Levante popular no Egito – a imprensa ocidental chamou de Primavera Árabe (os árabes a consideram um verdadeiro inverno) – ocorre nos meses de janeiro e fevereiro. Em 20 de outubro desse mesmo ano ocorre a agressão à Líbia – destruição e assassinato de seu presidente, a partir da aprovação da Resolução de nº 1973 pelo CS/ONU com a abstenção da Rússia e da China. Ainda sob a fachada da chamada Primavera árabe (sic), tem início em março à agressão à Síria, que segue até os dias atuais). Não fosse a covarde agressão da Turquia ocorrida desde novembro de 2019, à esse país árabe que resiste ao imperialismo estadunidense e aos ataques terroristas externos, a Síria já tería vencido a guerra e voltado a controlar cem por cento o seu território;
2012 – Veto russo e chinês no Conselho de Segurança da ONU sobre resolução para agredir a Síria – ocorrida no dia 4 de fevereiro, nos mesmo moldes da de nº 1973 do ano anterior.
Entre o final de 2019 e início de 2020, o mundo foi acometido por duas crises mundiais, por assim dizer. Uma, de aprofundamento da crise econômica, decorrente da imensa queda do preço do barril de petróleo por excesso de óleo no mercado (elevação da produção), concomitante com a queda das bolsas de valores e o crescimento da maior bolha especulativa jamais vista em toda a história do capitalismo financeiro. No momento que escrevemos este artigo o barril de petróleo estava cotado a US$29,88 um dos mais baixos da história.
Paralelo a isso, em 1º de dezembro de 2019, surge na cidade de Wuhan (cidade de 11,8 milhões de habitantes), província de Hubei, na China, uma mutação do vírus denominado Corona (conhecido desde a década de 1960), que produzia uma doença denominada COVID-19, cujo contágio, além de rápido, apresentava letalidade elevada se comparado a outras epidemias. Já em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde, presidida pelo médico etíope Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus declarou a ocorrência de uma nova pandemia mundial.
Tal pandemia levou a que pelo menos metade da população da Terra – em torno de 3,7 bilhões de pessoas – entrassem em um sistema chamado de “distanciamento social”, praticamente adotado pela esmagadora maioria dos países do mundo (à honrosa exceção de nosso Brasil e mais outros três países cujos presidentes não aceitam as orientações da OMS). Assim, a crise econômica que já era imensa e vinha se agravando, restando apenas saber se superaria a de 2008, ficou ainda mais grave. Economistas mencionam a possibilidade de o PIB mundial encolher até 50% nos próximos três anos. Alguns autores já não têm mais dúvidas que essa crise será superior a de 1929.
Ainda que já tenhamos registrado que pandemias como as de 1343 (Peste Negra) e 1918 (Gripe Espanhola) não produzem alterações significativas nas sociedades, podemos afirmar que uma nova Ordem Mundial está em gestação. E a resposta a isso é sim, mas não necessariamente decorrente da pandemia. Apenas aprofundam-se os aspectos e fatores que já vinham agravando a situação anterior, a mutação da ordem antiga, de unipolaridade, que já vinha dando sinais de grandes mudanças muito antes disso, conforme dados acima elencados.
Não há dúvida do momento de transição que vivemos para um mundo multipolar. Temos autores que dizem que o mundo multipolar já é uma realidade. Os EUA não conseguem mais dominar como antes e nem a maioria das nações aceita ser dominada como antes. No último dia 28 de abril de 2020, a China anunciou a criação de uma nova moeda virtual e com lastro, coisa inimaginável antes, sendo os seus testes iniciados nas cidades de Shenzhen, Suzhou e Chengdu, respectivamente com 12, 10 e 16 milhões de habitantes. Não sabemos como os Estados Unidos reagirão a isso. O que sabemos é que os que negociam com esse país diretamente ficaram muito satisfeitos com isso, pois podem agora negociar diretamente em moeda local – yuan – sem precisar trocar por dólares.
Conclusões preliminares
Não é possível ainda tirarmos conclusões definitivas no momento. Quiçá algumas preliminares. Muito tem-se falado sobre mudanças comportamentais das pessoas, que sairiam deste momento como mais solidárias. Tenho profundas dúvidas sobre isso. Se aumentará a solidariedade entre as pessoas. No entanto, não estou entre os que acham que não haverá nenhuma mudança. Ou até que haverá apenas mudanças para piorar as coisas.
Não acho que nem o capitalismo financeiro, menos ainda o próprio capitalismo estão feridos de morte e desaparecerão. Não estão dadas as condições para isso. Um novo modo de produção ainda não tem força suficiente para se impor como modo de produção hegemônico. Nem ainda que o dólar deixará de ser a moeda hegemônica. Menos ainda que os EUA entrarão em completo declínio. Mas, os grandes exemplos que podemos dar que vivemos o alvorecer de uma nova Ordem Mundial, multipolar, é que a Síria e a Venezuela só não caíram ainda porque a Rússia e a China vêm segurando os governos desses países.
Presenciaremos mudanças nos sistemas políticos em vários locais. Acho que o modelo de democracia representativa será gradativamente substituída por uma democracia mais direta, sem intermediários. As formas de participação popular serão ampliadas e modificadas. Recursos virtuais, de Internet serão largamente utilizados, tanto para tomadas de decisões, quanto para a formação individual das pessoas (à distância). Os sistemas de compras diretas, sem intermediários (capitalismo sem atrito como disse Bill Gates em seu famoso livro A estrada da informação de 1996, Cia das Letras, 352 páginas), será generalizado, impactando todas as imensas quantidades de verbas publicitárias (jornais desaparecerão e a propaganda dar-se-á pelas páginas de Internet de todas as modalidades).
É imprevisível que essa nova Ordem Mundial possa ser mais ou menos democrática que a atual. Se os estados nacionais sairão fortalecidos, podemos vir a ter estados autoritários, com menor participação popular. Ou não. Veremos novas formas de organização popular, por locais de trabalho, por bairros, por locais de estudos. Assim, em 567 anos de meu estudos, com cinco ordens consolidadas, que duraram respectivamente 195, 128, 140, 28 e 47 anos, estamos observando a consolidação da 6ª Ordem Mundial. Quiçá essa sim, que anuncie um novo mundo, muito melhor que o atual. Ajudemos a construí-lo.
Uma resposta
Muito boa essa revisão histórica do professor Lejeune, sempre nos ensinando. Obrigado Lejeune.