Lula e Haddad jogam no mesmo time

Uma forma fácil de ganhar a vida hoje em dia é virar coach, influencer ou “analista de internet”. Para dizer a verdade, para alguns, dependendo do número de seguidores e patrocinadores, rende 30, 40, 50 vezes mais que uma atribulada carreira de professor, mesmo que seja professor universitário. Então, agora, pululam nas redes os analistas chavosos da internet. Toda e qualquer pessoa que tenha acesso a um celular e um notebook vira mago, o especialista, aquele que vai te contar o que ninguém teve de coragem de te contar ou aquele que viu aquilo que ninguém viu.

Uma das formas de manter a plateia atenta e açulada é ser ou o propedêutico da ultraesquerda, ou o que traz as novidades e fofocas do poder que ninguém sabe ou ninguém viu, tem gente na internet que alardeia ter acesso até aos agentes da KGB russos. Por que este nariz de cera neste texto? Esta introdução enfadonha se faz necessária por conta de se ter alimentado uma suposta dicotomia, treta, animosidade entre “a ala política do governo Lula” e o Ministro da fazenda, Fernando Haddad, que assim fica reduzido a uma espécie de burocrata tecnocracista, cujo único objetivo é cuidar das contas públicas e não tem sensibilidade para temas políticos e sociais.

Na verdade, esta suposta animosidade entre Lula e Haddad tem um histórico complicado de boatos falsos e mentirosos, alimentados inclusive pela ultraesquerda. Ou esqueceram dos textos e lives do nada saudoso Duplo Expresso e do Rui Costa Pimenta, plantando a ideia de que Haddad queria usurpar o lugar de Lula, e sonhava com o presidente na cadeia para ser candidato, esta paranóia chegou ao ponto de Rui Pepper pregar o voto nulo na eleição de 2018 e de muita gente acreditar que Lula seria um néscio, que teria premiado a traição de Haddad indicando-o para ser o candidato do PT em 2018 – e que, nas condições em que transcorreram as eleições teve uma expressão eleitoral digna, cumprindo brilhantemente seu papel.

Quem não entrou no PT ontem sabe que Haddad e Lula são da mesma ala majoritária do partido e comungam do mesmo pensamento político e econômico, com discordâncias pontuais. Haddad foi o mais brilhante prefeito de São Paulo, desde Erundina, pegou uma cidade quebrada e entregou uma cidade superavitária, uma máquina azeitada administrativamente. Foi vítima da fábrica de calúnias do antipetismo e perdeu a eleição no mesmo processo de ódio ao PT que não vitimou só ele, mas fez que o PT perdesse as eleições em quase todas as maiores cidades do Brasil. Haddad foi e é subestimado. Está longe de ser um tecnocrata, venceu a eleição com brilhantismo e governou com carisma, humanidade, diálogo. Criou projetos para ajudar a população de rua, a população LGBTIQ+, a população viciada em crack (e foi atacado por isto também). Longe de ser um tecnocrata na prefeitura, foi um prefeito de face humana, cordial, pronto ao aperto de mão e ao contraditório. Haddad foi também o melhor Ministro da Educação que o Brasil já teve, fez uma revolução na educação superior brasileira, dobrando o número de estudantes universitários e inaugurou mais de duas dezenas de campi universitários, no período do PT no governo o Brasil graduou mais mestres e doutores que nos 500 anos anteriores de sua história.
Não, Haddad não é um burocrata insensível que se opõe à ala “política” do governo. Isto é uma mentira útil, tanto para coachs de ultraesquerda metidos a especialistas, quanto para os “especialistas” do dito mercado, que querem criar uma treta no governo a cada hora.

É bom lembrar aos nossos ultraesquerdas de plantão (mesmo os de última hora, como Eduardo Moreira, ex banqueiro que era ponta de lança no golpe contra Dilma e agora é mais uma Madalena arrependida), que Lula não é um líder de uma revolução. Não tomamos o Palácio de Inverno e executamos o czar. Nós vencemos a eleição mais apertada da história, e com o Congresso mais reacionário que um presidente poderia ter. O apelo de Lula, já durante as eleições, em que expressamente disse “querem um governo mais à esquerda, me deem um Congresso mais à esquerda”, não deu certo. A esquerda (e olha que estou usando uma concepção muito ampliada de esquerda) tem apenas 1/3 da Câmara e 1/5 do Senado. É um governo de coalizão, forçadamente, não porque Lula seja um moderado (mas porque o que a realidade permite, para que não seja um governo golpeado como o de Castillo, recentemente no Peru). Lula só pode operar dentro dos limites bem estreitos desta coalizão, que vai da esquerda à liberais e conservadores que apenas nos jurem que não trabalharão pelo golpe.

As lives do tipo “ou Lula derrota o Banco Central ou o Banco Central derrotará Lula” (Eduardo Moreira) ou “Ou Lula acaba com o PPI ou o PPI acabará com Lula” (Jones Manoel) são, antes de tudo, de uma irresponsabilidade política pueril. Óbvio que Lula está numa queda de braço com o Banco Central, e Haddad é seu ponta de lança nesta briga, mas também é óbvio que este mesmo Banco Central é uma bomba de efeito retardado, deixada por Bolsonaro, e garantido pelo aval de uma lei e de um Congresso no qual nosso presidente não tem maioria sequer para reverter esta suposta autonomia. Demitir o Presidente do Banco Central é algo que Lula não pode fazer, e para os analistas de sonho, é bom lembrar que o mesmo aconteceu com Chávez, que teve que esperar acabar o mandato do então presidente do Banco Central da Venezuela e, depois, ainda, promover uma reforma constitucional. A diferença é que Chávez tinha 70% dos votos no Congresso venezuelano.

Não, não estou reduzindo a política ao parlamento e não estou negando a força do apoio popular, mas sim, fazendo análise de conjuntura básica, Lula não foi eleito num ascenso dos movimentos de rua e não há pressão suficiente para fazer com que o Congresso vote tudo que a gente precisaria que ele votasse.
Nesta conjuntura é que se insere o gol de placa que Lula marcou, depois de receber um passe de Haddad, dando o drible da vaca no mercado. Esta parceria Lula Haddad na transição do preço dos combustíveis nos fez lembrar os melhores momentos de duplas com Pelé e Coutinho, Falcão e Carpegiani, Dirceu Lopes e Tostão, ou Zico e Adílio. A elite neocolonial brasileira, que usa o pomposo e mentiroso nome de mercado, é abertamente contra o fim do PPI na Petrobras. Para ela, a Petrobras não deve servir para produzir combustível de boa qualidade e preço baixo para o povo brasileiro, mas sim, para dar lucro aos acionistas, e, tenham certeza, a contrário senso do que pensam os alunos de Eduardo Moreira e do “Yes, you can”, os acionistas que se locupletam com o lucro da estatal, não são a meia dúzia de alunos imbecilizados da classe média que adquirem ações em lotes minguados, mas grandes conglomerados que apostam contra o Brasil e só querem continuar a receber dividendos altos, enquanto a estatal esfola cobrando preços absurdos.

Uma lógica tão cruel, que chegou ao ponto de dar espaço para o discurso até dos filhos metralhas do Bolsonaro de que a empresa teria que ser privatizada (como se a empresa privatizada fosse voltar a se preocupar com o povo brasileiro, em vez de apenas e tão somente pensar só no seu lucro).
Assim como a autonomia do Banco Central a desoneração fiscal (e não só dos combustíveis) é outra bomba que Bolsonaro colocou no colo de Lula. Para cada aumento de 1 ponto percentual da Selic (a taxa básica de juros), mantida por 12 meses, há elevação da dívida de 0,39 ponto, ou R$ 38 bilhões. Já um aumento de 1 ponto na inflação, mantido por 12 meses, eleva a dívida em 0,18 ponto, ou R$ 17,2 bilhões. Lembremos que a taxa Selic hoje é de 13,75%, e que Campos Netto e o conselho do Banco Central (no qual o governo não tem maioria), recusam-se a baixar a taxa nem que seja em 0,5%. Agem como garantidores da farra do mercado financeiro a custa do suor e do sangue do povo brasileiro.

Só uma pessoa muito sem cérebro pode acreditar que um governo sobreviveria à receita que Bolsonaro usou para tentar ganhar a eleição, e que cria para um país uma estimativa de um rombo orçamentário perto dos 300 bilhões de dólares por ano, e mantivesse indefinidamente a desoneração fiscal. Assim, longe de Haddad representar uma ala “técnica” do governo, ele é hoje uma das principais peças do tabuleiro de xadrez de Lula. Haddad, publicamente está exigindo a baixa da taxa de juros e dando bicos na canela do Banco Central, tem feito um debate público no mesmo diapasão exato de Lula e tem conseguido ganhar o debate, mostrando o risco de estagnação ou mesmo recessão que a escorchante taxa de juros instalada cria para o país.

Nesta conjuntura é que se insere a remodelação dos preços da Petrobras, e um processo para se passar do PPI para uma política de preços que sirva à nação, assim como o fim da desoneração fiscal. Não se dá cavalo de pau em transatlântico. Longe das lives grandiloquentes de Eduardo Moreira ou Jones Manoel, é fundamental não agir como um elefante numa loja de cristais e destruir o equilíbrio delicado de um governo sitiado por um Congresso hostil. O governo não tem maioria sequer no Câmara (e já houve fala do presidente das duas casas apoiando a nefasta autonomia do Banco Central) para terminar com a autonomia do BC agora, e terá que agir com pressão política para cortar as taxas de juros, e isto não se dará de uma única vez. A reoneração fiscal está ligada a esta pressão, já que uma das condições colocadas pelo COPON foi a da diminuição do deficit orçamentário.

Haddad agiu em parceira, e não em oposição a Lula. É bom lembrar que toda a grande imprensa brasileira continua neoliberal e golpista, se ficou assustada com Bolsonaro, ela pensou apenas na sua própria sobrevivência. O discurso da mídia continua sendo a de defesa feroz de Campos Neto, o último baluarte do ultraneoliberalismo no governo, e da PPI na Petrobras. O tal mercado manobrava para que tudo permanecesse intocado ou que o governo caminhasse para um desastre, com uma alta de combustíveis generalizada, que criaria uma crise que já atasse pernas e mão do Governo Lula, mas não foi assim. Na terça-feira, dia 28, Fernando Haddad, anunciou, nesta as alíquotas que serão aplicadas nos impostos federais cobrados sobre a venda de combustíveis aos consumidores no Brasil a partir desta quarta-feira (1º) – após o fim da desoneração vigente desde o final de 2022.

Ele informou que a gasolina será reonerada em R$ 0,47 e o etanol em R$ 0,02. Já o preço do diesel deve registrar queda, uma vez que não há sofrerá reoneração até dezembro de 2023.
No dia 27, foi anunciado o fim da desoneração fiscal em tributos como o PIS/Cofins e a Cide. A aposta do mercado é que o fim da desoneração levaria a uma alta geral dos combustíveis e a impopularidade do governo Lula. Só que esta recomposição de impostos foi combinada com uma baixa do preço de todos os combustíveis pela Petrobras. Haddad anunciou: “A reoneração da gasolina será de R$ 0,47, o que, com o desconto de R$ 0,13 centavos da Petrobras, dá um saldo líquido de R$ 0,34. E a reoneração do etanol será de R$ 0,02, mantendo a diferença de R$ 0,45. E o diesel que caiu R$ 0,08. E, como não há reoneração, estamos falando de uma queda de preço do diesel nessa proporção, pois está desonerado até o final do ano”, disse Haddad. Como já tinha havido uma baixa anterior nos combustíveis, o aumento do preço da gasolina não deve passar de 30 centavos o litro, o álcool não deve ficar alterado, o diesel e o gás de cozinha cairão de preços. Ou seja, os fretes dos alimentos e o transporte coletivo não serão afetados, assim como as indústrias, que não sofrerão com um aumento no preço do gás que é usado na produção.

Não, certamente não é o fim do PPI, como querem coachs mágicos, mas é o primeiro passo para uma retomada da autonomia da Petrobras na condução do preço dos combustíveis, sem gerar choradeira do dito mercado, queda da bolsa, aumento do dólar ou propaganda de crise do governo. Muito longe de não ser político, ou de ser tecnocrata, Haddad se mostrou uma dos mais preciosos escudeiros do Presidente Lula.

E não é só isto, além da desoneração do combustível refinado, Haddad confirmou que o governo federal vai taxar em 9,2% a exportação de petróleo bruto, pelos próximos 4 meses, para fechar as contas e não reduzir a arrecadação de pouco mais de R$ 28 bilhões provenientes dos impostos sobre os combustíveis. Na verdade, esta sobretaxação do óleo cru deveria ou deverá ser permanente, já que exportação de óleo cru e reimportação de gasolina refinada provinda do exterior gera empregos e crescimento do PIB fora do Brasil, sendo lesiva a cadeia produtiva do petróleo brasileira. Segundo Haddad, a tributação custará 1% do lucro da Petrobras. Com a medida, haverá um acréscimo na arrecadação de R$ 6,66 bilhões aos cofres públicos – o que complementa a arrecadação com PIS/Cofins. A expectativa de arrecadação do governo está na ordem de 28 bilhões, o que já recompõe 10% do deficit esperado para este ano. Grifemos o 1% do lucro esperado de Petrobras, para reforçar como aquilo que é bom para acionistas é nefasto ao Brasil. Se a operação com exportação de óleo cru e reimportação de gasolina e diesel pode gerar lucro a Petrobras, só gera desemprego e desindustrialização no país. O mercado aplaudia uma política recessão, desemprego e fome.

Ainda segundo Haddad: “as medidas adotadas pelo governo possuem o objetivo de recompor o orçamento público”, “as medidas estão sendo tomadas porque ata do Banco Central (BC) diz que isso é condição para início da redução das taxas de juros no Brasil”. Vale lembrar que o anúncio das novas cobranças de tributos sobre os combustíveis foi feita após dias de negociações entre a equipe econômica do governo e a diretoria da Petrobras. Haddad ouviu as impressões da diretoria da Petrobras e decidiu sobre a volta da cobrança de impostos federais sobre combustíveis em uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na manhã da terça (28), no Palácio do Planalto, com a participação do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Foi uma operação complexa, é bom lembrar que, na terça-feira a Petrobras anunciou uma nova redução dos combustíveis, a gasolina passou de 3,31 para 3,18 por litro, uma redução de 3,9%. O diesel foi reduzido pela segunda vez, e chegou a uma queda de 8,2%, desde que Jean Paul Prates foi nomeado presidente da estatal.

Os fatos desmentem os boatos. Haddad não é um aloprado tecnocrata alheio à ala governista, é um governista pró Lula no Ministério da Fazenda. O acerto na nova política de combustíveis só é possível porque feito em comum acordo por Lula e Haddad. Se a Petrobras não anunciou o fim do PPI e disse que a baixa nos combustíveis é uma recomposição dos preços internacionais, devido a baixa no dólar e no barril, o cuidado em não anunciar medidas bombásticas, se deve exatamente a tentar manter a governabilidade. De fato, com o anúncio inclusive de uma nova forma de distribuição de dividendos pela Petrobras, em que os lucros dos acionistas serão sacrificados em nome de um reinvestimento na própria empresa (nos quais devem se retomar a criação de refinarias ou mesmo a recompra de algumas, como a retomada do COMPERJ), o que se vê é uma mudança gradual tanto na política de preços quanto na de gestão, mesmo que esta seja feita sem ferir a histeria da nossa elite colonialista que se auto-apelida de mercado.

Foi um golaço de Haddad, mas a assistência, depois de um drible da vaca no tal mercado, foi de Lula.

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