A desordem do dia

A desordem do dia

Está na página do Ministério da Defesa a “ordem do dia alusiva ao 31 de março de 1964”.

Quem quiser ler, pode achar aqui:  https://www.gov.br/defesa/pt-br/centrais-de-conteudo/noticias/ordem-do-dia-alusiva-ao-31-de-marco-de-1964-2021

Ordem-do-dia em ambientes democráticos é uma lista de assuntos que devem ser debatidos.

Já ordem-do-dia em ambientes castrenses é uma lista de ordens que devem ser cumpridas.

No caso, a ordem-do-dia trata da interpretação que a cúpula das forças armadas, através do ministro da Defesa, quer nos impor acerca do golpe militar de 1964.

No manual de instruções da “democracia liberal”, o ministro da Defesa deveria ser um civil.

No Brasil, entretanto, desde o final do governo Temer os ministros da Defesa passaram a ser militares.

E o que diz a ordem-do-dia de 31 de março de 2021 acerca do golpe militar de 1964?

Nada.

Pois segundo a ordem-do-dia, não houve golpe militar, não houve golpe de Estado em 1964.

Houve um “movimento”.

Segundo a ordem-do-dia, a Guerra Fria trouxe ao Brasil “um cenário de inseguranças com grave instabilidade política, social e econômica. Havia ameaça real à paz e à democracia”.

Então os “brasileiros perceberam a emergência e se movimentaram nas ruas, com amplo apoio da imprensa, de lideranças políticas, das igrejas, do segmento empresarial, de diversos setores da sociedade organizada e das Forças Armadas, interrompendo a escalada conflitiva, resultando no chamado movimento de 31 de março de 1964”.

“Chamado movimento”…. chamado por quem? 

“Chamado” pelos que não querem chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes: genocidas, assassinos, torturadores, ocultadores de cadáveres, ditadores, golpistas.

Nessa história da carochinha, as Forças Armadas, tadinhas, “acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.

Os autores da ordem-do-dia estão no ramo errado. 

Deveriam sair das forças armadas e ir trabalhar no ramo de roteiros de ficção sobre realidades alternativas e paralelas.

Afinal, segundo a ordem-do-dia não houve conspiração por parte de militares.

Nem houve o golpe do parlamentarismo, a Operação Popeye da vaca fardada, nem a Brother Sam.

Tampouco ocorreu a farsa que declarou vaga a presidência, quando Jango estava no Brasil.

E as torturas eram assunto dos “porões”, não uma política de Estado.

Mas demos um desconto! Afinal o texto da ordem-do-dia é “alusivo”, ou seja, não diz respeito apenas a interpretação deles sobre 1964. 

É também a interpretação deles sobre o que ocorreu entre 2016-2021, em que as forças armadas estariam igualmente “assumindo a responsabilidade de pacificar o País” e enfrentando os “desgastes” decorrentes.

Mas ali na frente, como em 1979, virá uma “anistia”, um amplo “pacto de pacificação” que desta feita os livraria de responder por mais de 300 mil vidas perdidas.

Este roteiro demonstra que a relação entre as forças armadas e o povo brasileiro é um caso típico de violência doméstica continuada: os caras batem, causam imensos danos, depois pedem desculpas, depois batem de novo, causam imensos danos, depois pedem desculpas outra vez… e perante o tribunal da história, ainda têm a desfaçatez de apresentar este círculo vicioso como um “pacto de pacificação”.

O momento “realismo fantástico” da ordem-do-dia é a afirmação segundo a qual o “cenário geopolítico atual apresenta novos desafios, como questões ambientais, ameaças cibernéticas, segurança alimentar e pandemias. As Forças Armadas estão presentes, na linha de frente, protegendo a população”.

Protegendo a população?

Da pandemia?

Da fome?

Se é deste jeito que nos “protegem”, dá para prever o que nos aconteceria em caso de invasão estrangeira: o Marechal Philippe Pétain pareceria um valente.

O general Walter Souza Braga Netto termina sua ordem-do-dia nos convidando a celebrar os acontecimentos de 31 de março de 1964.

Seu convite será atendido pela totalidade da cúpula militar, inclusive pelos que foram demitidos ontem. Nisto não há a menor diferença entre eles. E aí reside parte essencial do abismo que separa as forças armadas que temos das forças armadas que necessitamos.

P.S. por estas e por outras, o programa de reconstrução e transformação do Brasil, aprovado pelo DN do PT, não poderia ter calado acerca do tema forças armadas. Cada dia que passa sem um posição firme a respeito, pior fica. 

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