Stalingrado, 75 anos depois

Stalingrado, 75 anos depois

Por Valério Arcary

O aniversário de 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, a presença na presidência de Bolsonaro têm motivado um maior interesse sobre o que foi o nazifascismo. Gramsci cunhou um aforismo amargo, mas bem humorado: a história ensina, mas não tem muitos estudantes. Temos muito a aprender.

O momento chave que inverteu a relação militar e política de forças durante a guerra não foi a invasão anglo-americana da Normandia, no chamado dia D. Foi a batalha de Stalingrado (conhecida  durante quatro séculos como Tsarítsin, passou a ser chamada como a cidade de Stalin em 1925, e hoje se chama Volgogrado) . 

A derrota do nazi-fascismo começou no inverno de 1942 em Stalingrado. A batalha durou mais de cinco meses, mobilizou mais de dois milhões de soldados, e deixou mais de um milhão e meio de mortos. A luta se desenrolou rua por rua, casa por casa. A derrota de Hitler só foi possível porque, alucinado pela prepotência, arrogância e soberba, subestimou a União Soviética, e a disposição de seus povos em defender as conquistas da revolução de outubro. Os milhares de trotskistas prisioneiros dos campos de trabalho forçado em Vorkuta, no círculo Ártico, inimigos do regime de Stalin, pediram autorização de alistamento militar para poderem ir lutar e morrer em Stalingrado. Porque lá se decidia o destino de tudo que há de mais elevado, digno, e honrado na vida.

Não há palavras suficientes para exaltar o significado histórico de Stalingrado. Nunca se poderá aferir a dívida que a vida civilizada tem com aqueles que entregaram suas vidas para derrotar o nazifascismo. Foi a mais terrível, mas, também, a mais gloriosa batalha da história.

São intrigantes as razões que levam muitos a ter, até mesmo em alguns meios de esquerda, uma compreensão tão parcial do significado do fascismo como regime político. Nos livros didáticos é comum, inclusive, que a Segunda Guerra Mundial seja limitada, reduzida, simplificada, a uma conflagração semelhante à Primeira. Não foi. 

A Primeira Guerra Mundial foi uma disputa entre potências: a Entente liderada pelo Reino Unido, França e Rússia e as potências da Europa Central, os impérios alemão e austro-húngaro, pelo domínio mundial. A Segunda Guerra Mundial foi, simultaneamente, uma guerra entre potências, uma guerra contrarrevolucionária contra a URSS para restaurar o capitalismo, e uma guerra antifascista.

A Segunda Guerra Mundial foi a mais trágica e monstruosa guerra da história. O seu desenlace definiu a segunda metade do século 20. De um ponto de vista marxista não pode ser resumida a uma disputa inter-imperialista pela hegemonia no mundo, ou pelo controle do mercado mundial, embora tenha sido isso, também. Um enfoque, essencialmente, economicista para explicá-la ignora o mais importante. Não só em função da invasão alemã da URSS em 1941, e a ameaça de restauração capitalista e colonização que ela preparava. Mas porque não se deve diminuir a importância que teve o nazi-fascismo como expressão da contrarrevolução contemporânea. 

Pela primeira vez na história, verificou-se um combate implacável entre potências imperialistas em torno a dois regimes políticos. De um lado, o regime mais avançado conquistado pela humanidade, ou pela civilização, à exceção do regime de Outubro nos seus inícios, a democracia republicana burguesa. E de outro lado, o mais degenerativo, o mais aberrante e regressivo, o nazifascismo. 

O projeto político do nazifascismo ia muito além do esmagamento da revolução socialista na Alemanha: além da destruição das organizações dos trabalhadores, o novo Reich exigia a escravização de povos inteiros, como os eslavos, e o genocídio de outros, como os judeus e os ciganos, além da repulsiva homofobia, transformada em política de repressão do Estado. 

Nada pode ser comparável ao nazifascismo. A derrota do nazifascismo esteve entre as vitórias mais extraordinárias da luta dos trabalhadores e dos povos no século XX, e foi uma das razões da sobrevida da URSS. 

O marxismo afirma que os conflitos de classe são a contradição mais importante de uma época histórica em que a atualidade da revolução proletária está colocada. O antagonismo entre o capital e o trabalho é a chave de interpretação do mundo em que nos cabe viver. 

Mas o marxismo não ignora que existem lutas progressivas, com reivindicações historicamente necessárias que, invariavelmente, se colocam, cruzando dialética e, transversalmente, as reivindicações dos trabalhadores com outras tarefas: as reivindicações das nações oprimidas contra os impérios que governam o mundo, as reivindicações democráticas contra os regimes ditatoriais, e hoje, com grande importância, as reivindicações de raça, gênero, de orientação sexual livre, de liberdade cultural, entre outras. 

Seria, portanto, de um obreirismo cego ignorar a importância da luta dos trabalhadores pela defesa das conquistas democráticas, que são, em primeiríssimo lugar, conquistas suas.  

Existe ainda na esquerda brasileira quem duvide que Bolsonaro seja um neofascista. Não se trata de uma discussão retórica. Porque nos remete ao tema das alianças necessárias com forças sociais e políticas estranhas ao campo de classe dos trabalhadores para derrotá-lo. As frentes colocam dois perigos. O oportunismo é uma derrotismo por antecipação. Antes da luta começar para valer renunciam à disputa da direção da luta, aceitando os limites dos aliados. O ultraesquerdismo é uma forma de oportunismo que tem medo de si mesmo, e exige garantias totais, incondicionais, absolutas de que fazendo alianças, não seremos atraiçoados. Essas garantias não podem ser dadas: toda luta é uma disputa plena de riscos e incertezas.

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