Raloim x Saci, a batalha do século.

Por Fulgêncio Pedra Branca

Como todos sabem, sou sexagenário e muito pouco afeito a esta coisa da internet. Sinto muita falta da minha máquina de escrever Remington 25, e, vira e mexe, aperto alguma tecla e some metade do texto neste notebook velho, doado por um primo melhor dotado financeiramente (gostaram do uso do tucanês no texto?). Disseram que, para eu voltar ao mercado de trabalho, teria que me atualizar, aí saíram me inscrevendo em instagram, twitter, facebook o diabo a quatro, para eu dar conta do mundo virtual. A web é, como diria Renato Russo, uma festa estranha com gente esquisita.

Tive que aprender uma tal de trending topics, achei que fosse pipoca de micro-ondas, mas é, apenas, uma espécie de onda do momento, em que você tem que surfar para alcançar um número maior de seguidores. O velho Umberto Eco já “lacrou” uma vez dizendo que as redes sociais deram voz a uma multidão de imbecis. Se a pessoa tiver um computador e conseguir dizer a efeméride correta da hora, e surfar na onda do momento, ela pode vir coach, influencer e viver da sua própria estupidez ou até ficar rico com isto. A fama na internet é tipo a fama por ser BBB, você é famoso por ser famoso e isto basta, apenas aprenda as regras da rede.

Assim que, navegando no tal do twitter, eis que me deparo com o seguinte rolo: Raolim x Saci. Primeiro pensei que Raloim fosse alguma piada sobre um filme: paródia nordestina do tipo “Shaolim, o rei do kung fu no sertão”, com Falcão no papel principal. Depois achei que fosse um clássico da quarta divisão sulmatogrossense: o Saci, um time de quilombolas, versus Raloim, filhos de migrantes, daqueles que acham que tem ascendência europeia e o sangue azul. O tipo de jogo em que o juiz anda armado e o pau come na casa de Noca, com direito a 3 dias de pancadaria, 10 pessoas hospitalizadas, entre jogadores e torcedores, e umas 15 na cadeia local.

Para meu espanto e estupor era um debate “sério” entre defensores da impoluta e virgem cultura nacional (deve ser a última coisa virgem no Brasil) e os malvadões que estão trazendo esta demoníaca festa para o Brasil. Com toda sinceridade, este malandro velho, cuja bunda não se assenta em calça lee, nunca participou destes parangolés de Raloim não, mas acho toda esta treta um trem desgovernado indo do nada ao lugar nenhum.

Para surpresa ainda maior tinha muita gente envolvida neste pagode. Tinha deputado, senador, teóricos renomados, escritores, antropólogos, filósofos, sociólogos, paleontólogos, pastor neopentecostal, mãe de santo, uns 40 milhões de jovens viciados, que tretam sobre tudo no twitter, e uns 400 milhões de comentários sobre esta luta apocalíptica que decidirá o futuro do Brasil. Este que aqui vos fala foi cair na asneira de perguntar se o natal, o cristianismo, o capitalismo e o socialismo também não seriam estrangeiros. Fui xingado de quinta coluna a agente da CIA quase pediram a minha expulsão do Partido Comunista de Quixeramobim, por não apoiar o Triste fim de Policarpo Quaresma, quero dizer, não apoiar o Saci, nesta luta de vida e morte contra os duendes, as fadas, e o superman, (que pode ser de esquerda também e estar do nosso lado se por acaso o filho dele seja bissexual).

Depois da quinta trauletada, por não apoiar a causa do saci, eu simplesmente tentei me desligar da confusão. O rolo é tão sério, e levam tão ao pé da letra esta batalha titânica, que printaram meus comentários jocosos sobre a batalha e recompartilharam nos grupos para provar que eu era um agente da CIA, financiado diretamente pelo governo estadounidense, através de uma ONG que propaga o Raloim entre as tribos do Alto Xingu.

Eu simplesmente desliguei o meu computador e fui ler uns poemas de Neruda e um LP velho de Vinícius no meu 3 em 1 (eu abro meu Neruda e apago o sol, misturo poesia com cachaça) e fiquei pensando que tem um povo na internet muito necessitado de dar uma trepada!


Fulgêncio Pedra Branca é escritor alcoólatra e hipocondríaco, escreve para esta coluna por falta de coisa melhor para fazer na vida.

COMPARTILHE:
WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Email

COMO APOIAR O CANAL?

Torne-se membro do Canal Resistentes e tenha acesso a benefícios para assinantes.


PIX
pix@resistentes.org


Para qualquer dúvida por favor envie um email para contato@resistentes.org.

LEIA TAMBÉM

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress