A pandemia causada pelo coronavírus chega à Faixa de Gaza quando a região e seu sistema sanitário e de saúde já estão em estado desesperador.
No domingo, dia 22, foram descobertos os dois primeiros casos em Gaza. Foi isto que as autoridades locais buscavam evitar. Há semanas os moradores são monitorados e instados e ficar em casa e a não se aglomerarem, escolas estão fechadas e pessoas que retornam à região ficam em quarentena.
Os dois primeiros casos foram de palestinos que voltaram do Paquistão. Agora já foi detectado um total de 9 doentes.
As perspectivas são extremamente preocupantes. Em uma área das mais densamente povoadas do planeta, onde em 365 Km2 vivem 2 milhões de pessoas. Já há, de forma crônica, grave deficiência de recursos financeiros, equipamento médico, remédios e pessoal. Que dizer das agudas necessidades que estão se avizinhando?
Já ficou comprovado que as mais eficazes das medidas para evitar a acelerada propagação do Covid-19 são a higiene constante, o isolamento social e os testes, com o estrito isolamento dos positivados. Três fatores de difícil aplicação aí. Estamos diante da insuficiência em termos de fornecimento de água tratada e encanada e de um sistema extremamente precário de esgoto sanitário, além da escassez de material de limpeza e higiene.
Ou seja, todo o padrão das condições necessárias à contenção do vírus é impossível de ser aplicado na Faixa de Gaza.
O cerco israelense e egípcio a Gaza já tem mais de dez anos. Junto ao cerco são impostas restrições quanto à importação de medicamentos e equipamentos médicos. As barreiras impedem até a entrada de material de construção. A precariedade do sistema de saúde já é tão grande que não é raro os palestinos – em condições de saúde desesperadoras – recorrerem aos hospitais israelenses para sobreviverem.
O Centro Al Mezan de Direitos Humanos, com sede em Gaza, documentou que dos 25.658 palestinos da região que pediram socorro aos hospitais israelenses, 9.832 deixaram de ser atendidos (cerca de 38%) somente no ano de 2018, apesar das leis internacionais determinarem que a saúde e sobrevivência dos moradores de territórios sob ocupação é das autoridades da potência ocupante. No caso de Gaza o cerco e bloqueio por ar, terra e mar são análogos a uma ocupação militar no território e obrigam Israel dentro das Convenções de Genebra.
Até agora, não foi enviado a Gaza, por parte de Israel, nenhum equipamento médico ou material de proteção para os profissionais de Saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) fez chegar a Gaza apenas algumas centenas de kits de testes e cerca de 1.000 conjuntos de proteção (aventais, luvas e máscaras) ao pessoal médico.
A sobrecarga em termos de leitos hospitalares e pessoal, se nenhuma medida de grande abrangência for tomada agora, vai chegar e não deve demorar. O diretor de medicina preventiva do Ministério da Saúde de Gaza, Majdi Duhair, declarou em recente entrevista ao portal Middle East Eye, que há seis leitos de UTI em um hospital de campanha e mais 20 leitos do gênero espalhados em instalações hospitalares por toda a Faixa de Gaza.
“O que se necessita para prevenir um cenário desesperador é ajuda massiva de Israel e da OMS para contribuir para barrar a propagação do vírus e garantir tratamento aos infectados”, afirma a organização israelense-palestina denominada Médicos pelos Direitos Humanos.
“Nestes momentos, quando vidas humanas estão sob risco, já não se trata apenas de obediência de Israel às leis internacionais e leis que tratam da ocupação, trata-se de atitudes determinadas por questões morais e humanas”, declara a organização.
O Dr. Ashraf al-Qudra, portavoz do Ministério da Saúde em Gaza, acaba de lançar um apelo curto, direto e dramático: “Estamos pedindo à ONU e à Comunidade Internacional que nos deem suporte imediato, incluindo ventiladores e equipamento de cuidado intensivo para que possamos tratar da epidemia”.
“Se houver uma propagação massiva vamos perder o controle e isso criará um imenso desastre”, alerta o Dr. Ashraf.
Da mesma forma se pronuncia um médico do Hospital Shifa, localizado na cidade de Gaza: “Sabemos que há uma escassez mundial, mas esperamos da OMS que tenha a capacidade de nos mandar algumas dezenas de máquinas e ventiladores imediatamente assim como envios, por parte da potência que controla as passagens nas fronteiras, Israel. Esperamos que o Egito e os demais países árabes também mandem material antes que seja tarde demais”.
A responsabilidade por parte de Israel é ainda maior se lembrarmos que, além do bloqueio e cerco prolongados a Gaza, nos bombardeios de regiões residenciais em 2009, 2012 e 2014, hospitais, postos de saúde e até ambulâncias foram atingidas pelos mísseis israelenses. No ataque a Gaza em 2014 os hospitais Al-Aqsa, em Deir al-Balah e al-Wafa em Shujaiyyeh foram bombardeados.
Até agora, a postura do governo israelense tem sido oposta ao que a organização Médicos pelos Direitos Humanos demanda.
Denúncia da organização israelense B’tselem, dedicada ao monitoramento das agressões aos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados informa:
“Nesta manhã, de quinta-feira, 26 de março, por volta das 7:30 da manhã, funcionários da Administração Israelense na Cisjordânia chegaram escoltados por um jipe militar, um trator de esteira e dois caminhões caçamba na comunidade de Khirbet Ibziq ao norte do Vale do Jordão. Passaram a confiscar mastros e lonas que seriam utilizados para levantar oito tendas; duas para uma clínica de campanha, e outras para residências emergenciais para pessoas que tiverem que sair de suas casas e ficar em quarentena. Essa força também confiscou uma cabana que estava ali há dois anos, assim como um gerador. Estrados que serviriam de piso para as tendas também foram açambarcados.
“Enquanto todo o mundo luta contra uma crise de saúde paralisadora e sem precedentes, os militares israelenses devotam tempo e recursos para danificar as comunidades palestinas mais vulneráveis na Cisjordânia. Por abaixo uma iniciativa comunitária de construção de um pronto-socorro durante uma crise de saúde é um exemplo especialmente cruel do abuso costumeiro infligido a estas comunidades e contraria os princípios básicos humanos e humanitários durante uma emergência.
“De forma diferente das políticas israelenses, a pandemia não discrimina ninguém com base em nacionalidade, etnia ou religião.
“Já passou da hora do governo e das Forças Armadas israelenses reconhecerem que agora, mais que em todos os demais momentos, Israel é responsável pela saúde de cinco milhões de palestinos que vivem sob seu controle nos territórios”.
O secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Saeb Erekat, denunciou na quinta-feira, 26, que “enquanto a Palestina luta contra o coronavírus com recursos muito escassos, as forças israelenses de ocupação entram hoje na aldeia de Duyuk Al Tahta, próxima a Jericó e demolem três casas”.
“É a isso que chamam de ‘cooperação’ na luta contra o vírus?”, questionou Erekat. “É mais um crime israelense contra a paz e que mostra a corrupção imoral da ocupação”.
“O fim total da ocupação israelense é o requerimento básico para uma paz justa e duradoura”, finaliza o dirigente da OLP.
NATHANIEL BRAIA, com informações coletadas pelo Dr. Jean Goldenbaum – compositor e musicólogo judeu teuto-brasileiro. Doutor em Musicologia pela Universidade de Augsburg e professor do Centro Europeu de Música Judaica da Universidade de Hannover. Goldenbaum integra o Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil “Henry Sobel”
(foto: AFP)