AUTORES:
Jacqueline Muniz– UFF
Domicio Proença Júnior -UFRJ
Zeca Borges– Disque Denúncia
Em 2007 escrevemos um artigo sobre as ondas de terror praticadas por domínios armados em São Paulo e no Rio de Janeiro, intitulado “O nome disso é terrorismo”. Quatorze anos depois de sua divulgação, seu conteúdo é aqui revisitado e reescrito, uma vez que segue atual e oportuno para reflexão sobre os atentados ocorridos, esta semana, em Manaus e outras cidades do Amazonas.
Grupos criminosos não defendem causa alguma além de seu próprio benefício, não aspiram à adesão da sociedade. Chantageiam: querem obter obediência, concessão, impunidade. Usam do terror para obter vantagens e do terrorismo para sustentarem-se fora-da-lei. Usam o terror para fazer valer acomodações tácitas dentro ou fora das cadeias ou para arrecadar fundos de comunidades e cidadãos. Fazem também uso do terror sem a perspectiva de vantagens diretas. Neste caso, usam o terror para constituir, reforçar ou ampliar sua visibilidade e influência. Aterrorizam para mostrarem-se poderosos, para afirmar sua existência e identidade, para obter adeptos e subordinar outros grupos criminosos. E o nome disso é terrorismo sim.
Quem faz terrorismo não tem como vencer como resultado de seus sucessos, nem perder como resultado de seus fracassos. O uso terrorista do terror não tem oponentes. Tem alvos. Tem público. Para produzir terror, há que produzir pânico. Para produzir pânico, é necessário espetáculo. Para se ter espetáculo, escolhem-se alvos de oportunidade ou de grande valor simbólico que assegurem repercussão e publicidade. Alvos que sejam fáceis de serem atingidos e que despertem solidariedade do maior número possível de pessoas. Daí, atacar transeuntes ou queimar ônibus, matar policiais, metralhar delegacias ou o palácio do governo.
Qualquer bando armado, sem bases sociais de sustentação que lhe permitam disputar o poder pela guerra civil ou optar pela guerrilha, pode enveredar pelo uso terrorista do terror. Tanto faz se possui finalidade político-ideológica ou não. Só se aventura ao terrorismo quem não tem qualquer perspectiva realista de tomar o Estado por dentro, como as milícias, ou vencer o Estado instaurando um outro regime de governo. Aventura-se a “tocar um terror” quem pretende comunicar aos aliados e rivais, sempre de ocasião, os efeitos-demonstração dos custos das “quebra de acordos” firmados entre agentes estatais e lideranças criminosas e destas entre si na exploração das concessões dos territórios populares. Faz-se terror para cobrar as contrapartidas pela compra do funcionamento das “firmas” criminosas e da garantia de salvaguardas para os seus gestores. Usa-se o terror para lembrar do pagamento dos “alvarás” da boca de fumo, dos seguros de vida da alta gerência criminosa e das contribuições para os Caixa 2 de campanha eleitoral e da baixa contrapartida recebida.
É um erro superestimar a capacidade desses bandos armados. Suas ações terroristas não necessitam de inteligência, organização ou grande capacidade. Bastam disposição, armas e oportunidade. Descrevê-los como um “poder paralelo” é render-se ao terrorismo, fazer o jogo deles. É ocultar que o poder opera com vasos comunicantes que permitem a conivência, a conveniência e a convivência de setores da máquina estatal que regulam o crime que ambiciona ser organizado. É, autorizar, sem perceber, a produção de violência pelo Estado, e induzir as forças públicas a fazerem elas mesmas o uso do terror, legitimando contragolpes espetaculares, exemplaristas e ineficazes.
Esta é a receita perigosa do senso comum para o abandono da Segurança Pública, para a construção dos mais diversos arranjos ilegais e alegais de proteção. Estes surgem insidiosos, mais ou menos apropriados privadamente, mais ou menos financiados por recursos públicos, mais ou menos explícitos na cobrança de taxas e pedágios, mais e mais tolerados pelo poder público e pelos cidadãos.
Dezenas ou centenas de criminosos não são mais fortes do que o Estado Democrático. Só querem parecer poderosos, para ganhar no blefe o que não tem como ganhar de outra forma. O uso do terrorismo é o disfarce dramático, mas com consequências trágicas, de sua fraqueza. É cruel, é covarde, é desmesurado para causar pânico, promover a percepção generalizada de temor e insegurança, disseminar a expectativa coletiva da ameaça onipresente e onipotente. Sua meta é agremiar adeptos, refazer contratos vantajosos, redefinir alianças. Mas pode acabar induzindo os cidadãos a se abandonarem aos seus medos e se renderem às lógicas despóticas de proteção.
O desafio diante de nós quando o precedente do uso do terror está posto não é novo. Trata-se da afirmação do Estado de Direito como uma alternativa superior à todas as outras – em metas, em métodos, em meios – exatamente porque transparente, previsível, regular e permanente diante dos espasmos de incerteza e imprevisibilidade das ondas de terror. Corresponde a nossa resposta cabal à dúvida de Abraham Lincoln: “De há muito tempo, tem sido uma grave questão saber se qualquer governo que não seja demasiadamente forte para as liberdades de seu povo poderá ser bastante forte para manter essas liberdades em uma emergência.”