Carxs amigxs, como vocês já sabem, normalmente escrevo neste canal sobre política e sociedade, unindo minha voz ao coro da resistência brasileira e mundial contra o neonazifascismo que assombra e a passos largos destrói sociedades do mundo.
Porém hoje escreverei sobre algo pessoal, fazendo assim uma reflexão aberta e pública às leitoras e aos leitores amigxs que me acompanham. Em verdade, mesmo que o assunto seja plenamente pessoal, ele ainda assim existe na esfera da sociedade e da política – afinal o que é humano não se separa do meio que o cerca.
Este texto não escrevo com alegria – muito pelo contrário. Preciso fazer porque há um aperto no peito e acredito que dividir este momento com pessoas boas é o melhor que posso fazer.
Vamos lá. Como muitos sabem, sou músico de profissão. Sou compositor. Compositor de música erudita contemporânea. Caramba, todas as vezes que digo ou escrevo a definição de minha profissão, percebo como é específica esta atividade. E como ela existe em um nicho pequeno e, às vezes, infelizmente, elitista.
Pois bem, me apaixonei pela carreira aos 21 anos de idade, quando muito jovem e extremamente imaturo. Mas dentro da imaturidade, mostrava-se o ímpeto de ser ativo – e um ativista – por um mundo menos cruel. Quase que inconscientemente – mas provavelmente de maneira consciente em meu âmago – passei a amar a ideia da “função do artista na sociedade” como alguém que se dedica ao humanismo, que combate o autoritarismo e o conservadorismo, que rompe as fronteiras impostas, que refuta os preconceitos e as intolerâncias, que ataca os que agridem a liberdade, que busca sempre o novo, o diferente, o diverso, e trabalha com o que brota, une e acrescenta. Falo do artista que entende a obra de arte como uma ferramenta para a construção de um amanhã mais iluminado e justo para todos os seres do mundo. Sim. Foi por isso que me tornei artista – pelo idealismo. A música seria minha ponte para realizar boas coisas. E eu mesmo seria também uma ponte. Uma humilde ponte que pudesse servir de chão para a travessia do espiritual ao mundano.
Assim, me tornei o compositor Jean Goldenbaum. E o fiz mesmo sem apoio moral ou financeiro de absolutamente nenhum familiar (área em que tive mais azar em minha vida) ou qualquer outra pessoa próxima. Somente alguns/mas professores/as na época me incentivaram, e a elxs sou grato.
Pois bem, após um setênio de preparação e estudo, minha carreira se iniciou oficialmente na noite de 31 de março de 2010, em São Paulo, quando uma obra minha foi tocada e enviada pela primeira vez ao Universo. Esta obra, que intitulei Sinfonia do Bem (uma longa peça de uma hora de duração, para orquestra sinfônica e canto) procura ilustrar musicalmente o tão absoluto (e tantas vezes mal empregado) conceito em questão, o Bem. A obra é dividida em seis movimentos nos quais textos (também de minha autoria) são cantados por uma cantora soprano com acompanhamento da orquestra, e que designam, ao meu modo de ver, a arquitetura do Bem. São eles: Pacifismo; Liberdade Animal; Constante Reflexão; Fim do Egoísmo – Início do Respeito; Compromisso com a Verdade; Consciência sobre o Bem e o Mal. A sinfonia termina com a cantora pronunciando o conceito ultimativo e primogênito do Bem, a palavra ‘Amor’.
Penso que esta seja uma obra interessante e bastante original tanto por motivos artísticos, quanto pela mensagem ativista social e política. Quem gosta de música erudita moderna e se identifica com minha visão de mundo talvez a aprecie. Se não apreciar, sem problemas também. Agradar o público nunca foi uma questão para mim. Minha meta foi sempre criar material intelectual e espiritual às pessoas que queiram se desenvolver e evoluir, se utilizando da Música ou qualquer outra Arte como divina ponte para tanto.
Após esta obra, muitas outras nasceram, grande parte com títulos e textos que deixam muito claro minha luta: Que todos os ditadores caiam; Protesto musical contra injustiças sociais; Suíte Ecumênica: pela Paz, Liberdade e Tolerância; A Desobediência Civil; Aos Índios do Brasil; Destrua a Opressão Social; e diversas outras.
Enfim, não pretendo me encompridar sobre estas ou quaisquer outras obras minhas, afinal a intenção do presente texto é outra. Hoje, 31 de março de 2020 (ironicamente também aniversário do golpe militar de 1964, festejado pelos neonazifascistas de hoje), completam-se exatos dez anos do início de minha carreira. E após longa viagem, repleta de pérolas e monstros, êxtase e depressão, conquistas e frustrações, vitórias e derrotas, decidi concluir minha jornada. Durante uma década, sem parar, estive colocando combustível e energia neste barco, enfrentando todas as dificuldades possíveis que um verdadeiro e legítimo artista/ativista enfrenta em um mundo como o planeta Terra.
Encontrei dezenas de parceirxs maravilhosxs, sem dúvida, amigxs que caminham ao meu lado ainda hoje. E de fato conquistei grande parte daquilo que eu sonhava quando comecei a trilhar esta carreira. Minha música foi tocada por centenas de músicos e musicistas, em dezenas de países, em quase todos os cantos do planeta. Gravações, entrevistas, palestras, parcerias, bastante coisa interessante e bonita ocorreu. Mas ainda assim, as veredas de um artista criador idealista são solitárias e com frequência tristes. E hoje, olhando para trás, devo dizer que possuo infelizmente mais memórias negativas do que positivas no percurso que trilhei.
Portanto, após dez anos de esforços ininterruptos e exatas cem obras compostas para praticamente todas as instrumentações possíveis (81 delas já estreadas), desligo os motores deste barco. É claro que esta decisão não foi tomada de ontem para hoje. Ela se desenvolveu gradativamente ao longo dos tempos.
Enfim, o barco continuará agora boiando sem turbinas, mas sim conforme o acaso, ao sabor das marés. Eu apenas o assistirei, pois já não tenho mais o desejo de alimentar seus motores, ou de remá-lo. Sinto que já fiz o que tinha de fazer. A obra está aí, para a humanidade. Afinal, eu a fiz desde o início pensando somente na humanidade, desejando fazer alguma diferença, desejando de alguma maneira fazer o mundo melhor através do poder infindo da Arte – no qual ainda acredito muito e provavelmente morrerei acreditando.
Minha obra fez/faz alguma diferença? Tenho Fé de que, em alguma esfera espiritual, sim. E neste plano mundano, para algumas pessoas também. Sei que tudo o que criei emana energia positiva e dissemina Amor que combate o Ódio. E isto já faz com que eu me dê por satisfeito.
E se no futuro a correnteza me oferecer algo de positivo envolvendo o barco de minha Música, estarei aqui, para de forma serena e ponderada, aceitar de braços abertos. E se não trouxer nada mais, ótimo também. Que seja o que tiver de ser.
Antes de terminar, é preciso ainda confessar uma coisa a mais. Embora a comunidade artística seja indiscutivelmente uma das mais bem povoadas em termos da índole das pessoas que dela fazem parte, há dolorosas exceções. Ou seja, a maioria dos artistas é socialmente liberal, progressista e comprometida com a luta por uma sociedade livre e tolerante. Mas infelizmente encontrei ao longo do caminho – principalmente nos últimos anos – diversos neonazifascistas/bolsonaristas/trumpistas/etc dentro deste meio. E isto é desagradável demais. Ora, se dentro de salas de concertos, museus, galerias de arte, universidades artísticas, temos de nos deparar com estes tipos de seres humanos, então não há realmente nenhum local onde estejamos completamente seguros, a não ser talvez somente dentro de específicas células de ação política.
Compreendo claramente que haja “pseudo-artistas” reacionários que refutam a música nova e tratam artistas como eu como “degenerados”, exatamente como Hitler designou em seu movimento contra o que ele nomeou de “Entartete Kunst”, que perseguia todos os artistas que não se adequassem ao pensamento e estética nazista. Isto é normal e sabido. Sempre foi assim. E ser odiado por um fascista é uma verdadeira honra para mim. Me mostra que estou de fato no caminho certo.
Mas infelizmente o século XXI trouxe novidades, afinal o nazifascismo sempre se renova. E assim, neste meu percusso vi de tudo, inclusive nazifascistas contemporâneos produzindo música, pintura, escultura moderna, com linguagem estética semelhante à nossa. Ou seja, isto prova que os tentáculos do neonazifascismo estão mesmo por todos os lados, até mesmo prontos para se infiltrarem e conquistarem áreas que antes repudiavam.
Dito tudo isto, fecho aqui um capítulo de minha vida, e fico feliz em poder dividir isto com leitorxs amigxs (alguns deles até conhecedores de minha obra musical). Colocarei agora minhas forças em continuar fazendo aquilo que também sempre fiz, e que hoje me frustra menos e me parece mais significativo do que produzir Arte: educar crianças e jovens, plantar natureza, plantar uma criança (isso me será novo), e – como sempre – militar politica e socialmente pelo Amor e contra Ódio.
Abaixo deixo o link de três obras minhas, caso alguém queira escutar, após ler este texto.
Bem, é isto, amigxs. Embora com pesar, tomo esta atitude com tranquilidade. É hora de seguir em frente. E o mundo precisa de nós – nós que combatemos os que se excitam com a destruição, com a desconstrução do próximo, com a injustiça social e humana. Seguiremos lutando, afinal não há nada mais precioso que possamos fazer em nossa breve estadia neste plano terreno. Sempre em frente, combatendo os neonazifascistas no mundo (e no mundo da Arte!). Ninguém solta a mão de ninguém. O Amor vencerá o Ódio.
Abraços,
Jean Goldenbaum (www.jeangoldenbaum.com)
Sinfonia do Bem
https://www.youtube.com/watch?v=bFAWqABdqjY&feature=youtu.be
Aos Índios do Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=Cv9sheg2v14&feature=youtu.be
Música para uma história a ser contada
https://www.youtube.com/watch?v=s0DGlUq2BQc&feature=youtu.be
Artigo originalmente publicado no Diário do Engenho