Dentre os inúmeros atos de desespero eleitoral cometidos pelo genocida ao longo do segundo semestre do ano passado estava a desoneração tributária dos combustíveis. O candidato à própria reeleição ao Palácio do Planalto percebeu, a partir de um determinado momento, que não bastaria mais seguir a agenda neoliberal e ortodoxa de Paulo Guedes, personagem que ele mesmo havia guindado ao posto de superministro da economia desde antes de sua posse em 1º de janeiro de 2019.
Os elevados índices de desaprovação de seu governo e de sua popularidade rapidamente se transferiram para as pesquisas a respeito de intenção de votos para o pleito de outubro do ano passado. Bolsonaro percebeu que a simpatia confessa por parte da elite do sistema financeiro à sua agenda hiper ortodoxa não se traduziria automaticamente em apoio popular para um novo mandato presidencial. Assim, depois de ter selado um acordo profundo com o fisiologismo do Centrão no Congresso Nacional, ele deu uma séria escanteada nas propostas de austeridade fiscal de Guedes e assumiu que mandaria às favas o respeito ao teto de gastos e outros princípios sempre tão caros ao povo do financismo.
Apesar desse seu novo ensaio de governo considerado herético aos olhos do financismo, ele obteve o silêncio e a complacência dos “especialistas” de plantão e dos escribas dos grandes jornalões. O principal argumento para tal postura era o pragmatismo necessário para evitar a volta de Lula para um terceiro mandato. E assim o pacto foi selado e cumprido. Pouco, ou quase nada, se criticou quando da edição das medidas “gastadoras” do escancarado oportunismo eleitoral do ex-capitão. A cumplicidade com uma estratégia que seria absolutamente bombardeada – acaso levada à frente por Lula, por exemplo – revelou-se para lá de escandalosa. E assim vieram as gambiarras para escapar da draconiana regra do teto de gastos, os aumentos até então ignorados nos valores dos benefícios assistenciais e a redução nos preços dos combustíveis por meio da desoneração tributária.
A herança maldita de Bolsonaro
Esse conjunto de decisões foi tomado apenas alguns meses antes das eleições, com um objetivo explícito e declarado de angariar apoios e de melhorar o seu desempenho nas urnas. Seria tarefa difícil atribuir um percentual definido no total de votos obtidos por Bolsonaro por tais atos, mas é inquestionável que esse pacote permitiu que ele se aproximasse bastante do candidato que estava à frente e a diferença final no segundo turno foi bastante reduzida. Apesar do susto que nos provocou na noite da apuração, ele vai entrar para a História, além dos crimes de genocídio e outros tantos, como o único candidato presidencial à reeleição que não conseguiu a vitória.
Pois uma das promessas de campanha de Lula foi justamente a revisão da política de preços da Petrobrás e o impacto negativo provocado pelos gastos excessivos de famílias e empresas com os combustíveis. A raiz de todos os problemas está, sem sombra de dúvidas, na herança maldita deixada pelo governo Temer & Meirelles. Logo depois do “golpeachment” levado a cabo contra Dilma Roussef, o vice traidor assumiu o governo e iniciou o processo de desmonte e de destruição do Estado. Dentre as muitas medidas, destacam-se a Emenda Constitucional nº 95 do teto de gastos e a política de “preço de paridade de importações’ (PPI) da Petrobrás. Não por acaso, ambas foram muito elogiadas e aprofundadas depois que Bolsonaro chegou ao governo.
No caso da PPI, a ideia “jenial” da tecnocracia financista que orbitava em torno do governo foi a de atrelar os preços internos dos derivados de petróleo no Brasil às variações verificadas na cotação do óleo bruto no mercado internacional. Assim, o preço da gasolina na bomba em nosso País seria alterado imediatamente a cada oscilação na taxa de câmbio (a cotação do barril é feita em dólar norte-americano) ou nas ações especulativas do mercado dominado pela OPEP e pelo oligopólio das transnacionais petroleiras. Apesar de todas a s desgraças advindas de tal experimento criminosos, conseguiram finalmente criar seu modelito em que os preços eram definidos a partir do mercado.
O problema é a PPI e não os impostos
A Petrobrás foi levada a privatizar suas atividades, inclusive a se desfazer de algumas de suas refinarias que foram vendidas ao capital privado. A orientação foi de que o Brasil passasse a exportar óleo bruto que era extraído por aqui e a aumentar o quociente de importação de derivados. Uma completa loucura! Ao invés de caminhar para a efetiva autossuficiência na matriz econômica do petróleo (como alcançou em 2015), o governo orientou a empresa a aumentar sua dependência em relação aos produtos de maior valor agregado na cadeia petrolífera, que passaram a ser prioritariamente comprados no exterior.
Pois agora, às vésperas de completar seu segundo mês de governo, a equipe econômica de Lula procura convencer o chefe a adotar medidas que contradizem as promessas de campanha e podem colocar a popularidade do governo em risco. E tudo isso em nome de que? A pergunta é mais do que legítima, necessária e oportuna. Afinal, não existem argumentos razoáveis para que seja encaminhada a proposta de retomar de forma repentina a tributação dos combustíveis. A consequência imediata de tal medida equivocada e isolada será o de aumentar os preços dos derivados para os consumidores. Em um ambiente de dificuldade para controlar a inflação, esse fato será certamente utilizado pelo COPOM para não levar à frente a redução da SELIC.
É bem verdade que a isenção encaminhada por Bolsonaro no segundo semestre do ano passado era uma cortina de fumaça para que não se mexesse uma palha na questão de fundo dos aumentos de preços – a PPI. Assim, ele fez gentileza com o chapéu alheio e retirou a tributação do ICMS estadual e alguns outros tributos federais. Isso realmente reduziu um pouco o preço na ponta, mas nada de muito significativo ou estrutural. Além de provocar impacto negativo nas contas dos Estados e da União, a medida serviu para tirar o foco sobre a necessidade de mudança na política de preços da Petrobrás e na orientação para retomada de sua capacidade interna de refino.
No primeiro dia de seu governo, Lula editou uma Medida Provisória que prorrogou a isenção até o final de fevereiro. Frente à necessidade de estender ainda um pouco mais tal desoneração para que o impacto tributário seja avaliado em meio à mudança mais ampla na política de preços da Petrobrás, a equipe econômica parece ter convencido o chefe de que as finanças federais necessitariam urgentemente da volta dos valores de tais tributos aos cofres públicos. Ocorre que a coisa não é bem assim. Os recursos existem, caso não nos deixemos nos orientar pela abordagem equivocada e conservadora da austeridade fiscal. A Conta Única do Tesouro Nacional, junto ao Banco Central, por exemplo, apresenta um saldo superavitário de R$ 1,8 trilhão. E esse dinheiro é para ser utilizado em programas sociais e de investimento. O problema é de natureza política e não “técnico”, como procuram argumentar os defensores do retorno às regras da austeridade fiscal burra e promotora da desigualdade.
Volta dos tributos: aumento de preços e impopularidade.
Os derivados de petróleo ainda cumprem um papel fundamental na nossa estrutura produtiva e na dinâmica da economia de forma geral. Aceitar que os seus preços voltem a sofrer reajustes localizados e sem explicação razoável é oferecer de bandeja os argumentos para a extrema direita derrotada nas urnas. O mais adequado seria aguardar um pouco mais para redefinir os chamados “preços relativos” dos mesmos de forma ampla com a redefinição da PPI. É claro que favorecer o uso de combustíveis fósseis nos tempos de hoje por meio de isenção tributária não se revela como o instrumento mais adequada de políticas públicas no campo da energia. Essa é uma estratégia de médio e longo prazos.
Porém, Lula não pode correr o risco de adotar medidas impopulares no curto prazo, na base do canto de sereia do financismo austericida ou da tecnocracia que morre de medo de se opor aos interesses da Faria Lima. Estender por mais alguns meses a isenção não teria nem de longe o impacto orçamentário provocado, por exemplo, pela vigência de uma taxa referencial de juros em estratosféricos níveis de 13,75%, provocando gastos orçamentários próximos a R$ 700 bilhões a cada 12 meses com o pagamento de juros da dívida pública. E nesse caso, ninguém questiona tal nível de despesa “irresponsável”. Lula está frente a uma decisão importante e sabe que atender ao pedido desnecessário e inoportuno de Haddad neste momento poderá trazer consequências bastante negativas para seu início de governo.
Se é para acabar algumas das muitas distorções existentes em nosso sistema tributário injusto, por que não eliminar imediatamente a absurda isenção de imposto de renda sobre lucros e dividendos? Algumas estimativas avaliam que apenas esta medida provocaria um aumento de R$ 55 bilhões anuais na receita anual do Tesouro Nacional. Lula tem as alternativas à sua mão. E sabe muito bem que a decisão final é de natureza política. Esperamos que não se deixe influenciar pelos maus conselheiros nessa questão.