LULA E O SALÁRIO MÍNIMO

Um dos pontos mais discutidos e defendidos por Lula ao longo da campanha eleitoral foi a necessidade de restabelecer uma política de valorização real do salário mínimo. O candidato criticava a ausência de preocupação do governo Bolsonaro para com a questão, além de denunciar também os retrocessos provocados pela reforma trabalhista. Ele sempre fazia questão de remeter para o tempo em que ocupava o Palácio Planalto, quando implementou uma regra que assegurava à remuneração básica dos trabalhadores a reposição da inflação e um ganho real associado ao crescimento do PIB.

Para além dos aspectos relativos ao reconhecimento e ao restabelecimento dos direitos essenciais da grande maioria da população brasileira, o presidente eleito sabe da importância da remuneração dos trabalhadores como sendo um dos componentes fundamentais para qualquer projeto de desenvolvimento nacional, que tenha como centro de sua preocupação as dimensões do econômico, do social e do ambiental. A chamada “renda do trabalho” contribui para assegurar a demanda do mercado interno e pode operar como grande impulsionadora da elevação do consumo, com consequências diretas para um ciclo virtuoso de crescimento com previsão de sustentabilidade no tempo.

Um dos obstáculos a que tal processo ocorra de forma permanente reside na herança escravista e no comportamento patrimonialista de nossas classes dominantes. Tanto que os reajustes anuais com ganhos reais e a regra criada por Lula em 2011 para institucionalizar essa sistemática foram abandonadas já por Michel Temer, após o golpe contra Dilma Roussef. Na sequência, o período Bolsonaro & Guedes apenas aprofundou o arrocho salarial e institucionalizou a precariedade e a informalidade por meio das medidas da reforma trabalhista.

Promessa de valorização “substancial” do salário mínimo.

Lula sabe da importância que a remuneração dos assalariados, aposentados e pensionistas representa para seu projeto de governo, seja em termos simbólicos, seja em termos efetivos de seu impacto sobre as condições de vida da maioria da população. Ele não perdia a oportunidade de repetir ao longo da campanha eleitoral que só aceitou a desafio de buscar um terceiro mandato se fosse para fazer mais e melhor do tudo aquilo que conseguiu realizar durante os outros dois quadriênios, entre 2003 e 2010.

Esta avaliação de Lula está perfeitamente contemplada no programa da Federação Brasil da Esperança, coligação de partidos que foi a espinha dorsal de sua candidatura em 2022. A esperança apresentada reside justamente na promessa de derrotar politicamente o fenômeno da extrema direita representado pelo bolsonarismo e sua nefasta passagem pelo governo federal. Isso implica em eliminar os aspectos de destruição do Estado e desmonte das políticas públicas, além de paralisar o processo de privatizações e revalorizar os diretos dos trabalhadores de forma ampla. O texto é literal:

(…) “É plenamente possível sustentar uma gestão econômica tendo o papel decisivo do Estado com investimentos capazes de gerar um ciclo virtuoso de crescimento econômico, a valorização do trabalho, geração de emprego com dignidade, formal e com direitos, distribuição de renda, sobretudo pela ampliação da massa salarial e institucionalização de uma política de valorização substancial do salário mínimo, visando à recuperação do poder de compra determinado pela Constituição, a formatação e manutenção de políticas universais para a redução de desigualdades.” (…) [GN]

Ocorre que a estratégia do financismo e das classes dominantes após o fracasso eleitoral da chamada “terceira via” apenas se adequou ao novo cenário. Quando se deram conta de que não conseguiriam mesmo emplacar uma candidatura presidencial que pudessem chamar de sua, os representantes do sistema financeiro passaram a fazer todo o tipo de pressão para a indicação de nomes de sua confiança para os postos chaves da área econômica. Além disso, redobraram seus esforços para que o governo mantivesse os aspectos mais relevantes da política econômica conservadora. Isso seria representado pela manutenção da política de tetos de gastos, pela preservação da busca obsessiva pelo superávit primário e pela continuidade da austeridade fiscal. Quanto à política monetária, Bolsonaro lhes ofereceu a garantia da independência do Banco Central (BC) e do Comitê de Política Monetária (COPOM), quando sancionou que a Lei Complementar nº 179/2021 que ele mesmo havia encaminhado ao Congresso Nacional.

É necessário superar o fiscalismo.

Ocorre que o terrorismo econômico exercido pelo povo da finança termina por deixar acuada também parcela de integrantes do novo governo, que terminam por ceder, até de forma inconsciente ou involuntária, às pressões do financismo. Ainda é cedo para sabermos se existe uma rota previamente definida, mas alguns elementos do primeiro pacote anunciado elo Ministro da Fazenda padecem desse problema. Haddad insiste na retórica da busca de um superávit primário, ainda que reconhecendo não ser provável que isso seja alcançado em 2023. É verdade que a propostas para este ano são bastante distintas dos pacotes claramente recessivos de seus antecessores Palocci (2003) e Joaquim Levy (2015). Uma das diferenças é a busca sugerida por Haddad pelo aumento de receitas e não apenas mirar no corte de despesas. Porém, o conjunto apresentado insiste na apresentação da “responsabilidade fiscal” como estando também ancorada no corte de gastos, ao apontar a meta de R$ 50 bilhões nesse tipo de redução.

Ora, não faz sentido manter no primeiro ano do governo Lula a mesma contabilidade preparada por Bolsonaro em 2022. Para a superação do desastre econômico e social que representou esse triste quadriênio, Lula sabe que precisa aumentar bastante o nível de despesas públicas e orçamentárias. Construir exige muito mais esforço e concentração do que destruir. Ao manter a retórica da contabilidade fiscal no domínio restrito das rubricas primárias, Haddad termina por deixar de lado a análise das despesas financeiras, como o pagamento dos juros da dívida pública. Ao insistir na narrativa de buscar a redução do grau de endividamento público, a equipe econômica já começa com a síndrome do bom mocismo e reduz o cardápio de alternativas para conceber um programa de governo capaz de dar conta das promessas de Lula e atender às expectativas geradas na sociedade. Ora, Bolsonaro e Guedes furaram o teto de gastos de forma sistemática e nem por isso o Brasil quebrou. Não faz o menor sentido político ou econômico manter as mãos atadas às amarras da austeridade fiscalista.

Reunião com centrais sindicais.

Assim, nesse conjunto, a questão do salário mínimo é vital. Ao se recusarem a promover um reajuste para R$ 1.320 mensais, setores da área econômica passam o recado de que os R$ 7 bilhões a mais que seriam necessários para fechar essa conta seriam um impeditivo pela lógica da responsabilidade fiscal. Uma loucura! Basta olhar para os R$ 700 bi que estão sendo gastos – de forma livre, leve solta – para pagar os compromissos de juros da dívida do governo federal. Afinal, não existe razão para que o governo já inicie seu mandato com um compromisso de buscar equilíbrio fiscal fictício. Vivemos um tempo extraordinário, fora da normalidade democrática, republicana e institucional. A superação do mesmo e de sua crise vai exigir medidas também extraordinárias.

Os R$ 18 que fazem a diferença entre os R$ 1.320 prometidos e aquilo que Haddad diz ser possível honrar mal pagam três passagens de ônibus na maioria das capitais brasileiras ou três quilos de arroz ou três litros de leite. Lula sabe disso e muito mais a esse respeito. Talvez a reunião marcada com as centrais para 18 de janeiro seja um bom momento para marcar uma posição mais racional e consequente a esse respeito.

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