Por Fulgêncio Pedra Branca
Por estar desempregado e por absoluta falta do que fazer, resolvi dar uma caminhada matinal na Praia da Copacabana, para ver se conseguia filar um chope ou uma cerveja, de algum amigo desavisado, nos arredores. Quando caminhava, distraído, vi meia dúzia de gatos pingados, vestidos de branco de cima a baixo. Logo me animei, em festas de Iemanjá, Iansã e Ogum, sempre tem marafo. O plano era simples, misturar-me ao povo de santo, acompanhar a procissão até o mar e filar uma boia e uma cachaça.
Velho e meio cegueta, só comecei a tentar entender o que acontecia me aproximando daquela micareta esquizofrênica. Primeiro pensei que fosse a reedição da revoada das galinhas verdes, vi bandeiras supremacistas brancas, bandeiras monarquistas, faixas de Lula Ladrão, fora PT e coisas afins, para minha surpresa e total desentendimento, logo vi mesclado, naquele exército de Brancaleone, 3 ou 4 bandeiras comunistas, umas duas do partido do Solzinho amarelo (propaganda do iogurte Ninho?) e uma balbúrdia confusa, na qual de um lado se gritava fora Bolsonaro, de outro fora Lula (eu nem sabia que o Lula tinha voltado a presidência). No meio desta orgia, gritando namastê e anauê gratiluz, congratulavam-se comunistas, supremacistas brancos, monarquistas, galinhas verdes, solzinhos libertários e tudo mais que sua imaginação pudesse imaginar num sonho surrealista nonsense.
Afastei-me rápido daquela micareta, pensando que poderia ser uma alucinação coletiva causada por um quadro crônico de covid. Logo achei um amigo com mais reais na carteira do que eu, sentado num bar, que, em troca do meu papo furado, de malandro agulha carioca, estava resolvido a me pagar umas brejas e uns acepipes. Trocamos algumas ideias e perguntei o que era aquele show esquizofrênico.
Ele explicou-me que aquela micareta psicotrópica era a festa da terceira via, frente ampla contra o fascismo aliada aos fascistas, sem Bolsonaro, sem Lula e sem o povo. E ainda contou-me detalhes sórdidos daquela bacanal. Disse-me que em São Paulo, Isa Pena tinha subido abraçada ao palco com “Mamãe Falei”, Ciro de Paris tinha feito uma perfomance estilo Roberto Carlos/Wando, distribuindo flores aos transeuntes, mas ninguém havia jogado de volta uma calcinha vermelha no palco, e, mesmo com distribuição gratuita de chope, o jogo Taquarivaí x Catanduvense, da oitava divisão paulista, tinha reunido mais gente do que a massa cheirosa da Tacanhede.
Animado com o papo, bebi gratuitamente até quase entrar em coma alccólico e só pensei que aquela oferenda ali, Iemanjá, com certeza, rejeitaria.
Fulgêncio Pedra Branca é escritor, Alcoólatra e hiponcondríaco – escreve para esta coluna de graça, por falta de coisa melhor para fazer na vida.