Este é um dos períodos mais graves e perturbadores da história do Brasil. A eleição do próximo ano se desenrola dentro desta moldura histórica dificílima, e será a mais crucial para o futuro do país.
Os motivos são sobejos: a nação, submetida a um processo brutal de devastação pelas oligarquias dominantes, é também ameaçada pela escalada de um regime fascista-militar.
Características de Estados policiais estão claramente presentes na realidade. Tornou-se trivial intimidar ativistas e enquadrar-se opositores na Lei de Segurança Nacional. Passaram a ser regra as prisões arbitrárias, a repressão e a violência assassina das polícias. A censura à imprensa, o cerceamento da liberdade de expressão, a violação de direitos humanos e os ataques às Universidades tornaram-se eventos corriqueiros.
O autoritarismo vai se impondo de modo progressivo e contínuo por meio de “aproximações sucessivas”, como diz o general Mourão, até assumir a forma de um “novo normal”; até assumir a condição de “normalidade corrompida” que substitui a ordem instituída em 1988.
Nesta marcha constante, passo a passo o Estado de Exceção vai escalando degraus até assumir, finalmente, a forma de uma ditadura.
Esta engrenagem conspirativa vem de longe, foi metodicamente concebida e planejada nas agências de inteligência e Departamentos do governo dos EUA em linha com as oligarquias nacionais. A gangue da Lava Jato teve seu lugar específico no script golpista assim como os militares, a mídia e todo establishment. Os processos da “desordem conspirativa”, ainda que pareçam desconexos na aparência, estão encadeados e são conectados entre si.
Por meio desta engrenagem metódica, o partido dos generais logrou instalar um governo militar. Eles até se gabam de pertencerem a um governo militar “democraticamente eleito” [sic]. Para concretizar o plano castrense acalentado há anos, nem precisaram das quarteladas ou da repressão escancarada dos modelos de ditaduras do século passado.
Este governo se caracteriza como militar menos pela infestação descabida do aparelho de Estado por mais de 10 mil militares-parasitas, e mais por representar um projeto de poder concebido e preparado nos quarteis há muito, e que aspira permanecer longo período no poder e no controle do butim da guerra promovida pelas oligarquias financeiras contra o Brasil.
Bolsonaro é extremamente útil, porque serve como o biombo que esconde quem de fato comanda e controla todo processo, que são os altos dirigentes militares da reserva e da ativa.
Diante da perspectiva de vitória do Lula em 2022, prenunciam sabotar e desacatar o resultado eleitoral. Eles não admitem a interrupção do seu projeto de poder, porque desta vez “voltaram para ficar”. Proclamam: agora é com eles!
É prudente, neste sentido, ter-se no radar o risco de ocorrência, em 2022, do “Capitólio de Brasília”. Com a diferença de que, no Brasil, a confluência das milícias “legais” [PM’s e FFAA], mais milícias “ilegais” [milicianos, crime organizado, latifundiários armados, clubes de caça e tiro], mais extremistas de direita e fundamentalistas religiosos, o desfecho poderá ser incontrolável e totalmente distinto do ocorrido em Washington em 6 de janeiro passado.
É fundamental, em vista disso, integrar-se todos setores antimilitaristas e pró-democracia da sociedade brasileira numa frente para combater e resistir ao avanço fascista-militar. O filtro para adesão a uma frente com esta finalidade não é ideológico e programático, mas sim de compromisso com a democracia, com a liberdade e com a defesa dos direitos políticos e civis.
Tal frente contra o fascismo, contra o militarismo e a ameaça ditatorial não deve prescindir de ninguém; deve congregar todos matizes ideológicos que se identificam com esta tarefa – independentemente se socialistas, progressistas, social-democratas, liberais e conservadores.
Neste tempo histórico, sectarismo e ranço ideológico não têm lugar e voz. A fotografia do encontro do Lula com FHC tem o poder simbólico de significar a união dramaticamente vital para a sobrevivência do pouco que ainda resta de democracia no Brasil.
O compromisso desta frente antifascista [1] deve significar, na luta política imediata, o combate sistemático e coordenado para interromper, o quanto antes, o governo genocida dos militares; e [2], na disputa eleitoral, deve representar o apoio incondicional, num eventual 2º turno da eleição de 2022, da candidatura de oposição ao candidato do partido dos generais – seja ele Bolsonaro ou qualquer outro que venha a ser inventado por eles.
Ainda que deva ser ampla para abarcar todo espectro ideológico comprometido em salvar a democracia, esta ampla aliança antifascista não é ilimitada no tempo e no espaço.
Suas tarefas devem se ater [i] às iniciativas e [ii] ao tempo necessários para [1] abreviar o governo militar escondido atrás do fantoche Bolsonaro; para [2] deter a escalada ditatorial em curso; e para [3] derrotar toda e qualquer opção apresentada pelos fascistas na eleição de 2022, mesmo se camuflada de 3ª via na pele de um general Santos Cruz da vida, por exemplo.
Na eleição de 2022 o povo brasileiro escolherá entre a continuidade da barbárie genocida ou outra alternativa de governo para o país.
É legítimo e essencial, neste contexto, que todos postulantes antifascistas e antimilitaristas apresentem seus programas e propostas para a restauração da democracia e para a reconstrução nacional depois da hecatombe Bolsonaro-militarista.
O fundamental, nesta realidade de devastação brutal do país, é submeter ao escrutínio popular os projetos específicos que cada campo ideológico oferece para retirar o país do precipício fascista. A maioria da população, e não o deus-mercado, soberanamente deve eleger o governo democrático que deseja. Hoje, tudo indica, Lula é o escolhido pela maioria esmagadora da população, independentemente das alianças pragmáticas que ele projete firmar.
Este é um momento que pede, sobretudo, nitidez programática acerca das idéias, propostas e projetos para o presente e para o futuro do Brasil: frente ampla antifascista, mas com absoluta nitidez e identidade programática na eleição de 2022.