Custos do Iimpeachment e responsabilidade política

Custos do impeachment e responsabilidade política

Por Gisele Cittadino e Djeff Amadeus

Qual será, para o campo progressista, o custo político de assumir o protagonismo de um eventual processo de impedimento de Jair Bolsonaro?

Não foram poucas as vezes na história recente do capitalismo que o fascismo apareceu como resposta para suas piores crises. Se relembramos Naffah Neto, psicanalista brasileiro, crueldade, fascismo e capitalismo se interlaçam constantemente, gerando as sociedades dos excluídos. No Brasil contemporâneo, o “bolsonarismo” é apenas o efeito da crise atual e não sua causa. Ou, de outra maneira, Bolsonaro é a reificação de duas crueldades: o neoliberalismo e o racismo.

“É possível nos livrarmos de Bolsonaro? Sem dúvida. Mas isso significa deixar para trás aquilo que ele representa? Poucos dirão que sim.”

Na verdade, qual será, para o campo progressista, o custo político de assumir o protagonismo de um eventual processo de impedimento de Jair Bolsonaro? E se as esquerdas estabelecerem uma aliança com o centrão, não serão descartadas em seguida? Uma outra pergunta ainda mais fundamental precisa ser feita: até que ponto o remédio do impeachment contribuirá para a cura do sintoma, mas em nada alterará a doença que lhe deu causa? Vamos trocar um fascismo “mulambo” por um fascismo “personnalité”?

Optar pelo General Mourão, dando-lhe legitimidade, é a primeira consequência política de um pedido de impeachment. Fortalecer a figura deletéria de Sergio Moro seria a consequência seguinte, pois o ex-juiz retirou-se do governo porque rompeu politicamente com o presidente da república. Mas o fundamental é que com isso vamos tratar uma crise estrutural como se conjuntural fosse. Ou, por acaso, alguém imagina que o racismo e o neoliberalismo serão enfrentados se conseguirmos derrubar Jair Bolsonaro?O Brasil tem uma longa e conhecida história de conciliações. Se olharmos apenas para as últimas décadas, vamos encontrar os militares integrando a aliança que deu origem ao movimento da “nova república”, cujo ápice é a promulgação da Constituição de 1988. Saímos da ditadura militar por intermédio de uma transição por transação, e foram poucos os que queriam cobrar a conta pela miséria e pela violência do autoritarismo imposto pelas forças militares ao país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de três tentativas fracassadas de chegar à presidência da república, igualmente apontou para a conciliação quando escreveu a “carta aos brasileiros”, anunciando não apenas uma “vasta coalizão suprapartidária”, como também uma “ampla negociação nacional”. A conciliação está tão impregnada em nossa cultura política que qualquer movimento contrário – em todos os níveis de nossas relações sociais – parece deflagrar um pânico que a todos paralisa.

Uma eventual conciliação entre as forças progressistas, especialmente o Partido dos Trabalhadores, com os atores que ilegalmente apearam a presidenta Dilma Rousseff do poder talvez não seja a melhor alternativa política para a contenção do bolsonarismo. O argumento contrário aponta na direção de que agora há efetivamente crimes de responsabilidade a justificar o impedimento. Mas, lembrando Luiz Gama, o direito “jamais será a salvação, mas apenas um instrumento estratégico na luta pela libertação”. De resto, entregar a condução do país ao General Mourão seria gastar energia política em uma luta cuja vitória teria apenas um efeito lampedusa, mudando tudo para que tudo permaneça como está.

De outra parte, as forças progressistas não têm responsabilidade política em relação ao surgimento do bolsonarismo. O Poder Judiciário, a grande mídia corporativa e as elites econômicas alheias à soberania nacional foram os grandes responsáveis pela criminalização da política no Brasil, pelo lavajatismo e pelo antipetismo, caldos de cultura que deram origem ao bolsonarismo. Se essas forças políticas não tiveram competência para construir uma candidatura viável no campo da direita, e optaram por aceitar Jair Bolsonaro e sua turma perversa, por que razão as forças progressistas estão obrigadas a ajudá-los no combate ao mal? Ou vamos nos esquecer de que “quem pariu Mateus que o embale”?

Não se trata de abandonar o direito, mas sim ter em mente que problemas estruturais demandam soluções estruturais. Ao invés de tentar construir diques para conter ondas neoliberais que não param de crescer, talvez tenha chegado a hora de mergulhar no mar para entender os mecanismos que geram estas ondas aqui no Brasil: a exclusão e o racismo. Precisamos voltar nossa energia política para as bases e com elas discutir quais os processos de produção que determinam a democracia em nosso país, porque ater-se a isso significa pensar na base material a partir da qual as grandes disputas são feitas e onde o direito ganha o seu sentido mais concreto.

É preciso compreender o que está na origem da decisão democrática de uma maioria eleitoral que opta livremente por um presidente racista e demofóbico. Se, para além disso, esse presidente inculto, perverso e autoritário não entrega o que prometeu para as forças que viabilizaram sua chegada ao poder, a cobrança de tal inadimplência não pode ser tarefa senão das elites políticas por ele responsáveis.

Agregue-se a isso que o ambiente político atual é de reforço do lavajatismo, o que se observa, por exemplo, na decisão ilegal do Ministro Alexandre Moraes que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, bem como pela reedição da parceria antirrepublicana entre a Globo e Sérgio Moro.

A pandemia, com seus milhares de mortos, e a crise econômica dela decorrente darão cabo de Jair Bolsonaro. Portanto, não precisamos – e nem devemos – nos unir ao centrão. Unamo-nos à classe trabalhadora e voltemos às bases!

Por fim, ressaltamos que não é o momento de colocar o direito na frente da política, sem uma estratégia, sob pena de correr o risco de reforçar o lavajatismo e transformar Sérgio Moro no pivô do impeachment. A grande mídia corporativa já transformou o ex-Ministro da Justiça em herói nacional no passado recente. Não fará bem à democracia brasileira se esse filme for reeditado.

Artigo publicado originalmente na Carta Capital.Compartilhe 

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