APESAR DE TUDO, A DEMOCRACIA RESISTE

(Primeiramente, minha sentida homenagem póstuma à grande Gal Costa).

Já passados alguns dias após o segundo turno das eleições presidenciais e a Democracia resiste heroicamente em nosso país.

Apesar da insanidade e irresponsabilidade de Roberto Jefferson, que resistiu com tiros de fuzil e granadas à sua prisão pela Polícia Federal, e da tresloucada e igualmente irresponsável deputada Carla Zambelli, correndo atrás de uma pessoa, de arma em punho, sob a alegação de que ele a ofendeu num bate-boca entre ambos, dias antes do pleito, trazendo uma enorme inquietação ao país, a Democracia resistiu.

Apesar da igual irresponsabilidade criminosa da Polícia Rodoviária Federal, ao fazer blitz para dificultar a passagem de veículos transportando eleitores para votar, em várias rodovias do Nordeste, a Democracia resistiu.

Apesar dos bloqueios de estradas em todo o país pós eleição por fanáticos, mal perdedores, e que clamavam pela intervenção das Forças Armadas para impor a Ditadura no país, a Democracia resistiu.

Essas últimas eleições foram as mais tensas da história brasileira. E não foram tensões oriundas do debate intenso, mas civilizado. As fakenews, as ameaças, a pressão de empresários inescrupulosos sobre seus funcionários, com ameaça de demissão, para votarem em Bolsonaro, o uso indiscriminado da máquina pública para compra de consciências como nunca visto e a bestialidade, da qual Bob Jefferson e Zambelli são apenas os exemplos mais escabrosos, permearam o pleito de ponta a ponta. A Democracia resistiu graças à consciência democrática de amplos setores sociais, desde os movimentos sociais, a intelectualidade progressista, o mundo cultural, as mídias alternativas e mesmo setores da mídia corporativa. Há que se louvar o papel determinante do Poder Judiciário, nomeadamente o Tribunal Superior Eleitoral, sob a batuta firme primeiramente do Ministro Fachin e, depois, do Ministro Alexandre de Moraes, que não se curvaram aos ataques às urnas eletrônicas e fizeram um combate sem tréguas à enxurrada criminosa das fake news.

A saga democrática, contudo, não pode baixar a guarda. A ameaça golpista permanece pairando sobre nossas cabeças e não cederá tão cedo, eis que se instalou no país uma organização de tipo fascista com algum enraizamento social e forte capacidade de mobilização. O problema, portanto, não é o da cristalização de uma oposição civilizada ao futuro governo, pautada por ideias de desenvolvimento econômico-social alternativas, o que seria algo normal e saudável numa sociedade democrática. O problema é justamente o caráter fascista que germina nas entranhas da sociedade, avesso ao genuíno embate de ideias, ao reconhecimento de direitos universais do ser humano e à paz social, pois calcado no autoritarismo odioso e na sanha destruidora.

É de se crer que os brasileiros e brasileiras eleitores de Bolsonaro, em sua esmagadora maioria, não se alinham e nem alimentam o ideário fascista. Depositaram seu voto nele movidos sinceramente por rejeição a Lula e ao PT, influenciados por convicções religiosas e pelo massacre midiático insidioso e deformado que permeou o país nos últimos anos, fortemente concentrado nos sensíveis temas da corrupção e da ameaça comunista.

Da ameaça comunista, de tão pueril, nem vale a pena gastar tinta. Da corrupção, sim. Lula e sua família foram virados do avesso e devassados como ninguém neste país em toda sua história, para se tentar identificar o seu patrimônio imobiliário ou em qual paraíso fiscal teriam depositado dinheiro oriundo de corrupção. As fakenews incendiaram a imaginação social: um filho de Lula seria dono de uma fazenda e sua sede seria um prédio cuja foto é o da sede da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba! Outro filho seria o verdadeiro dono do maior frigorífico do país! E por aí vai o delírio. A Operação Lava Jato, falsamente baseada em delações premiadas, acusou Lula, mas nunca logrou provar, de ser o dono de um apartamento triplex no Guarujá. Todos os processos judiciais contra Lula, deformados por interesses alheios ao interesse nacional, foram anulados pelos tribunais superiores e ele retomou a sua cidadania política, nenhum dos membros de sua família está sendo investigado ou processado, mas a pecha de corrupto sobre ele continuou a ser explorada largamente, não mais na mídia corporativa, mas nas redes sociais, influenciando decisivamente uma parcela significativa do eleitorado.

É nessa hipotética circunstância de que a esmagadora maioria da sociedade brasileira não é filiada ao fascismo, mas tão somente está fortemente influenciada por pregações negativas e insidiosas, que reside a esperança de que poderemos vencer esse momento difícil que o país atravessa e vislumbrar um cenário de paz social e superação do ódio que reina entre os brasileiros. Mesmo que não se dissipem integralmente as resistências a Lula e ao seu futuro governo, por razões de divergências programáticas ou mesmo preconceituosas, é possível se acreditar que não haverá endosso amplamente majoritário na sociedade brasileira para aventuras autoritárias.

O processo de transição para o futuro governo já se iniciou e conversações de Lula com lideranças partidárias estão em pleno curso, na perspectiva de se construir uma ampla aliança política para a pacificação e reconstrução do país. O mundo todo reconheceu e saudou sua vitória, avalizando a limpidez do processo democrático brasileiro.

Oxalá possamos fazer essa travessia sem sobressaltos. O Brasil é importante demais para se render aos pressupostos de uma republiqueta de quinta categoria.

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