Adeus, Pátria e Família

A Primeira Multiplicação dos Pães

6 Algum tempo depois, Jesus partiu para a outra margem do mar da Galiléia (ou seja, do mar de Tiberíades),  e grande multidão continuava a segui-lo, porque vira os sinais miraculosos que ele tinha realizado nos doentes. Então Jesus subiu ao monte e sentou-se com os seus discípulos. Estava próxima a festa judaica da Páscoa.  Levantando os olhos e vendo uma grande multidão que se aproximava, Jesus disse a Filipe: “Onde compraremos pão para esse povo comer?” Fez essa pergunta apenas para pô-lo à prova, pois já tinha em mente o que ia fazer.

7 Filipe lhe respondeu: “Duzentos denários[a] não comprariam pão suficiente para que cada um recebesse um pedaço!”

8 Outro discípulo, André, irmão de Simão Pedro, tomou a palavra: 

9 “Aqui está um rapaz com cinco pães de cevada e dois peixinhos, mas o que é isto para tanta gente?”

10 Disse Jesus: “Mandem o povo assentar-se”. Havia muita grama naquele lugar, e todos se assentaram. Eram cerca de cinco mil homens. 11 Então Jesus tomou os pães, deu graças e os repartiu entre os que estavam assentados, tanto quanto queriam; e fez o mesmo com os peixes.

12 Depois que todos receberam o suficiente para comer, disse aos seus discípulos: “Ajuntem os pedaços que sobraram. Que nada seja desperdiçado”. 13 Então eles os ajuntaram e encheram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada deixados por aqueles que tinham comido.

14 Depois de ver o sinal miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo começou a dizer: “Sem dúvida este é o Profeta que devia vir ao mundo”. 15 Sabendo Jesus que pretendiam proclamá-lo rei à força, retirou-se novamente sozinho para o monte.

Tempos esquisitos em que um ateu e comunista tem que defender os evangelhos e lançar sua voz entre os homens para defender um padre. Sou ateu, mas sou um filósofo, e como filósofo tive que estudar hermenêutica cristã, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Plotino, Platão e Aristóteles. Não à toa, comecei este artigo com uma citação bíblica. Não é tão difícil assim entender os evangelhos. Engels tem um texto maravilhoso, quando da criação do Partido Operário Social Democrata Alemão, em que ele fala da disseminação do cristianismo e diz que só quando o marxismo tiver a força popular que teve o cristianismo, que ele poderá se tornar hegemônico, a boa nova entre os homens. Gramsci trilha o mesmo caminho e mostra que uma nova sociedade só poderá surgir quando a ideia do universalismo e da pluralidade da igualdade se espalhar como ideia entre a maioria dos cidadãos. Badiou correlaciona a noção de graça, de conversão pela palavra e de universalismo ao comunismo.

Os evangelhos são um livro comunista. Impossível dizer o contrário. No trecho acima, Jesus não fez a pregação hipócrita de “se um homem está com fome, dê uma vara a ele e o ensine a pescar”. Tal como Betinho, Cristo sabia que quem tem fome, tem pressa. Cristo alimentou quem tinha fome, porque é impossível ter ágape, amor cristão, sem sentir compaixão. Em todo o evangelho, há a pregação da pobreza, do comedimento, e de que o reino dos céus é para os humildes e os pobres.

Cristo nunca pregou a riqueza. Seu reino não era o da terra, mas na terra ele pregou a igualdade, sem sombra de dúvidas, e que o acúmulo de riquezas afastava os homens de Deus:

O homem rico

16Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?”

17Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”.

18″Quais?”, perguntou ele.

Jesus respondeu: ” ‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho,

19honra teu pai e tua mãe’ e ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo'”.

20Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda?”

21Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me”.

22Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.

23Então Jesus disse aos discípulos: “Digo a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus.

24E digo ainda: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

Vivemos uma distopia tão absurda que é mais fácil a um filósofo ateu entender a boa nova, o evangelho, a graça do perdão, o universalismo da palavra, do que fundamentalistas religiosos que crucificariam Cristo, caso ele voltasse à terra. 

São tempos obscuros em que pastores, falsos profetas, enriquecem roubando seus fiéis, e vendendo falsos milagres, e chamam isto palavra de Jesus. No espetáculo midiático em que vendem a prestação a salvação, o ágape desapareceu, e a boa nova que inspirará não só Rousseau, mas todos os movimentos de revolta radicais de igualitaristas de camponeses cristãos, desaparece no evangelho da ostentação e da prosperidade. É um paradoxo um materialista dialético ter que defender Jesus da perversidade de seus seguidores.

Se Jesus chegasse na terra hoje, na São Paulo de Tarcísio e do MBL, sofreria uma nova crucificação, ou seria chacinado em alguma limpeza feita por paramilitares no Centro pobre de São Paulo ou na periferia. Estas pessoas que usam do slogan da cruz detestam o evangelho da graça, do amor, da filantropia e da igualdade.

Não professo a mesma fé do Padre Júlio Lancelotti, este primeiro cavalheiro de Jesus na luta contra a fome, mas sim, ele é meu irmão. Por padres como Júlio Lancelotti um ateu balança e até chega quase a acreditar, porque ele professa a palavra viva de Jesus. A fé não está em igrejas transformadas em megaempresas, com estações de rádio e tv, em templos suntuosos, na ostentação banal de um comércio –  no qual Jesus é uma espécie de pixbet, no qual você deposita um dinheiro para o pastor 171, ora, e ele se multiplica por mil, não para alimentar os pobres, mas sim para tornar alguém mais venal, materialista (no sentido grotesco do termo) e rico.

O evangelho de Cristo é o primeiro texto religioso a professar a igualdade absoluta entre os homens, independente de cor, raça e sexo. Não à toa, pastores pilantras e padres midiáticos fundamentalistas preferem o antigo testamento, do Deus vingativo e do povo escolhido, à graça universalista dos evangelhos escritos por judeus helenizados, inspirados nas ideias de Platão, de um Deus que é virtude e perfeição. Estes falsos pastores fundamentalistas assassinam a hermenêutica porque não creem em nada, acreditam apenas no uso da religião para enriquecerem na terra.

Padre Júlio Lancelotti crê. Ele vive na graça de Cristo, ele professa a fé não em palavras, mas em obras. Como Jesus, ele anda entre as prostitutas, os travestis, os drogados, os caídos, os viciados, os pobres, os mendigos, os famintos. Cristo não se banqueteava em festas de arromba na alta sociedade, sua palavra era que a igreja, o corpo de Cristo eram os humildes, para quem tem dúvida, ele não fez o “Sermão neoliberal da livre iniciativa”, ele fez o “Sermão da Montanha”, a maior apologia da vida simples e de defesa do povo feita antes do movimento comunista:

O sermão da montanha. As beatitudes

5 Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos; e, abrindo a boca, os ensinava, dizendo:

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus;  bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; 

6 bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; 

7 bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; 8 bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; 

9 bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; 

10 bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus; 11 bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem, e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa. 12 Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.

Padre Júlio Lancelotti é um bem-aventurado no sentido do Sermão da Montanha; primeiro porque tem fome e sede de justiça, o que, segundo um tal de JC, é uma característica de um Cristão; segundo, porque está sendo perseguido por pregar, de fato, a palavra de Cristo.

O MBL é uma organização protofascista que apoiou o golpe contra Dilma e pariu o bolsonarismo. Seus meninos caíram em desgraça, junto à ultradireita, porque tentaram ser uma linha menos radical de protofascismo e foram engolidos pelo discurso de ódio de Bolsonaro. Muitos deles sequer conseguiram se eleger. 

Um tempo atrás tentaram fingir uma “correção de rota”, serem menos radicais que o nazifascismo de Bolsonaro, e alguns dentre nós caíram no papinho furado deles e foram naquela festa mequetrefe, que eles tentaram fazer em conjunto com parte de uma esquerda muito crédula ou ingênua, fingindo serem contra Bolsonaro e a favor da democracia. Eu não caí no canto de sereia deles. Hipócritas, eles apenas queriam criar uma terceira via protofascista “menos radical”.

Não funcionou, agora tentam uma nova correção de rumo, ensaiando novamente um discurso protofascista ultrarradical, mas escolhendo o pior adversário possível. Estes meninos Incells, com a maturidade de uma criança de 5 anos, e a estratégia política de um bufão, elegeram um padre para destilar seu ódio. É um contradicto in adjecto. Estes que berravam ainda ontem pelos valores “cristãos”, atacando gays e esquerdistas, deixam sua máscara cair. Eles são psicopatas que só sabem destilar ódio e morte, sua psiquê é dominada pelo tânatos, eles odeiam a todos, mas escolheram um péssimo adversário, um padre que segue o evangelho de Cristo, ao fazer isto não atacam um padre somente, atacam a Igreja Católica e todo o cristianismo.

Eu, que sou ateu, tenho muito mais respeito pelo cristianismo e pela liberdade de credo que eles. Se chegassem ao poder, prenderiam, matariam e torturariam, gozosamente, seus adversários, porque não sabem conviver com uma democracia. Não são cristão, não são patriotas.

Com o ataque ao Padre Júlio Lancelloti o MBL diz adeus, pátria e família.

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