Abstenção monstro em 2020

Abstenção monstro em 2020

Por Lejeune Mirhan

O sociólogo Lejeune Mirhan, estudioso dos processos eleitorais no Brasil e autor do livro “Eleições no Brasil 1945 a 2018: O comportamento eleitoral dos brasileiros”, analisa neste artigo qual o impacto que a pandemia do Coronavírus pode ter no comparecimento do eleitor às urnas, mesmo com o adiamento da eleição.

Os e as amigas que me acompanham sabem que, além de estudos de geopolítica mundial, tenho uma paixão em estudar eleições, seus resultados e como os e as eleitoras se comportam com o passar dos anos em nosso país. Não por acaso, um dos livros que lancei em 2019 trata exatamente do comportamento dos eleitores brasileiros (https://bit.ly/3eoNPHn). Neste pequeno artigo pretendo tecer comentários sobre não só o adiamento das eleições de outubro, mas como estas ocorrerão em meio a essa imensa pandemia que vivemos. 

Nesse livro citado, desenvolvo duas novas teorias, por assim dizer, no campo da Sociologia: 1. O conceito de representatividade do/a eleito/a relacionado com o total dos eleitores inscritos e não dos que compareceram para votar e menos ainda com relação apenas aos válidos (por isso, essa pessoa abjeta que se apresenta como “nosso” presidente teve apenas 33% dos votos dos eleitores) e 2. O índice ABN (sociólogos gostam de índices), ou seja, abstenção, nulos e brancos (e não é uma mera soma entre três percentuais). O segundo aspecto, na verdade criei esse índice que reflete na verdade a quantidade de votos jogados fora, desperdiçados pelos eleitores. 

O índice médio nacional de ABN de 2018 foi de 27%, ou seja, 27% dos 147 milhões de eleitores inscritos e aptos para votar, simplesmente ou não foi votar, ou se foi, anulou ou votou branco (estamos falando de algo como 40 milhões de eleitores). É muita gente desperdiçando votos. Já tivemos momentos piores. Em 1955, quando Juscelino Kubistchek foi eleito, esse índice atingiu o recorde histórico de 42%!!! Claro, a UDN chamou o boicote, sabendo que perdería, para depois tentar desacreditá-lo e impedir a sua posse (são golpistas antigos, tais quais o neoudenistas tucanos de 2016).

O adiamento das eleições no Brasil

Em primeiro lugar, quero dizer que tenho sérias dúvidas se teremos mesmo eleições no Brasil este ano. Sou leitor voraz e começo de madrugada minhas atividades como leitor. E leio de tudo em muitas áreas do conhecimento, em especial ciência. Não consegui achar até agora um artigo que mencione um cientista sério que afirme que até o final do ano estaremos com a pandemia controlado no mundo e em nosso Brasil. Muito ao contrário. O que vejo é só informações que ela vai perdurar ainda e que vacinas mesmo talvez em uma ano e meio. 

Mas, as eleições foram adiadas. Por pouco tempo, é bem verdade. Elas ocorreriam em 3 de outubro e foram adiadas para 15 de novembro (42 dias de adiamento apenas). Prazos foram alterados, normas estabelecidas para a realização de convenções virtuais, propaganda, reuniões etc. fala-se em horário estendido de votações (das 7h às 19h). Fala-se em distância de um metro e meio nas filas de votação. 

Mas, as coisas podem piorar ainda. Há uma discussão no TSE sobre isentar da “elevadíssima” (sic) multa de R$3,50 para quem não for votar. Se em condições “normais de temperatura e pressão”, estamos com um em cada três eleitores jogando fora seu voto, em uma situação dessa de pandemia, onde a maioria das pessoas acata e concorda com a orientação de ficar em casa em quarentena (dentro do possível), como imaginar que o índice ABN não suba à estratosfera? 

Mesmo que se tome as precauções de uso de máscaras, é impossível que não ocorram aglomerações e contatos físicos entre pessoas no processo eleitoral. Haverá um risco imenso de contágio. Escrevi um artigo de fundo há dois meses (mais ou menos), cujo título era Aids, coronavírus e as mudanças comportamentais (https://bit.ly/3iVT4BP), onde mostro duas coisas: a letalidade do Corona nem é tanto maior que a AIDS (esta matou ao mês em 40 anos em torno de 60 mil ao mês e a Covid-19 mata em torno de 85 mil ao mês).

O problema é o contágio. A Aids contagiou em 40 anos (na verdade 39, pois o primeiro caso foi 1981) 72 milhões de pessoas, ou 1,8 milhões ao ano. O corona vai fechar o ano com 20 milhões!!! Isso significa 11 vezes mais contagiante! Mas é claro. A Aids se pega com sangue (e não há mais bancos de sangue que não realizam testes) e pelo esperma (e são poucas as pessoas que ainda façam sexo com desconhecidos sem se preservar).

Esta pandemia, pelo que temos lido, o contágio se dá pelo contato físico, com as mãos. O vírus entra pelo ar, pelo nariz, pelos olhos. Não podemos mais nem sequer abraçar. Isso é gravíssimo. Nenhuma outra peste na história da humanidade foi assim (a bubônica depende de contato com ratos, mordidas etc.).

Nesse quadro, quem irá votar? Pego o exemplo de minha mãe, super idosa de 87 anos. Nunca perdeu uma eleição. Adora política. Quando mais jovem, ela até fazia boca de urna. Como posso levá-la para votar? Minha filha, com seus dois filhos pequenos. Também adora política e votava no colo da mãe desde que tinha um aninho de idade (“votou” até em mim em 1982 quando sai candidato a vereador pelo antigo MDB). Se ela decidir não ir votar, como poderei pedir que ela vote? E se ela se contagia, passa ao marido e os dois caem doentes? E quem disse que crianças não pegam a Covid-19?

Assim, caros amigos/as, prevejo – e posso, claro, estar redondamente errado – a MAIOR abstenção da nossa história. Abstenção monstro mesmo. A rigor quem comparecer pode ser até acusado de ser anticiência (eu jamais aceitarei essa pecha, mas tem sentido). Eu irei votar, sem dúvida. Já não tenho certeza da decisão de minha amada esposa. E terei, claro, que respeitar a sua decisão. Assim, os 42% de ABN de 1955 serão fichinha perto dessa avalanche de ausências.

Até por isso, se forem mesmo mantidas as eleições – sigo com profundas dúvidas, pois poderemos estar com 200 mil mortos e três milhões de contagiados em novembro – acho que cairão drasticamente os quocientes eleitorais e as chamadas linhas de corte (vereadores serão eleitos com muito menos votos do que precisaram obter em 2016). Isso poderá beneficiar a esquerda, que tem um eleitorado muito mais consciente e saberão fazer sacrifícios – arriscados – para cumprir seus deveres de cidadãos.

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