Para quem anda animado com a possibilidade de uma banda dos militares “enquadrar” ou até depor Bolsonaro, recomenda-se ler a “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de março de 1964”, divulgada na véspera pelo Ministério da Defesa.
A Ordem do Dia é assinada pela turma toda: Fernando de Azevedo e Silva, Ministro de Estado da Defesa; Ilques Barbosa Junior, almirante de esquadra e comandante da Marinha; Edson Leal “braço forte e mão amiga” Pujol, general e comandante do Exército; tenente brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermúdez, comandante da Aeronáutica.
Segundo os pós-historiadores acima listados, o “Movimento de 1964” é um “marco para a democracia brasileira”.
Graças àquele Movimento, o Brasil “cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo”.
Depois, a Lei da Anistia de 1979 teria permitido um “pacto de pacificação”, determinando os “rumos que ainda são seguidos”.
Hoje, em 2020, vivemos o “o pleno exercício da liberdade”.
Mas, como sabemos, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica seguem firmes, “com o propósito de manter a paz e a estabilidade”.
Ou seja: os que nunca foram, continuam por aí, prontos para o que der e vier.
E o que teria acontecido com os países que não tiveram a sorte de ter um Movimento de 64?
A “Ordem do Dia” responde: “os países que cederam às promessas de sonhos utópicos ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres”.
Lutar pelas “desigualdades”!!!
Ato falho ou sincericídio, não há melhor síntese do significado histórico do Golpe de 64.
Afinal, o “resto” todo — a quebra da legalidade, a corrupção, as prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos — não passa de sangrento detalhe, indispensável para manter e ampliar nossa repulsiva desigualdade social.
A Ordem do Dia, mais a mensagem do general Villas Bôas em apoio a Bolsonaro, confirmam que para mudar certas coisas, só com uma revolução.
E quando este dia chegar, o aniversário do “Movimento de 64” continuará sendo lembrado, mas sempre no primeiro de abril.
Honra eterna aos brasileiros e brasileiras que tombaram na luta contra a ditadura militar!!!
MINISTÉRIO DA DEFESAOrdem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964
Brasília, DF, 31 de março de 2020.
O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época.
O entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos. O início do século XX foi marcado por duas guerras mundiais em consequência dos desequilíbrios de poder na Europa. Ao mesmo tempo, ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico ameaçavam as liberdades e as democracias. O nazifascismo foi vencido na Segunda Guerra Mundial com a participação do Brasil nos campos de batalha da Europa e do Atlântico. Mas, enquanto a humanidade tratava os traumas do pós-guerra, outras ameaças buscavam espaços para, novamente, impor regimes totalitários.
Naquele período convulsionado, o ambiente da Guerra Fria penetrava no Brasil. Ingredientes utópicos embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engodos que atraíam até os bem-intencionados. As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante das pressões de grupos que lutavam pelo poder. As instabilidades e os conflitos recrudesciam e se disseminavam sem controle.
A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis.
Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo.
A Lei da Anistia de 1979 permitiu um pacto de pacificação. Um acordo político e social que determinou os rumos que ainda são seguidos, enriquecidos com os aprendizados daqueles tempos difíceis.
O Brasil evoluiu, tornou-se mais complexo, mais diversificado e com outros desafios. As instituições foram regeneradas e fortalecidas e assim estabeleceram limites apropriados à prática da democracia. A convergência foi adotada como método para construir a convivência coletiva civilizada. Hoje, os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas.
As Forças Armadas acompanharam essas mudanças. A Marinha, o Exército e a Aeronáutica, como instituições nacionais permanentes e regulares, continuam a cumprir sua missão constitucional e estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade.
Os países que cederam às promessas de sonhos utópicos ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres.
O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou.