Fiquei em dúvida se escrevia um artigo sério sobre o debate de ontem, ou pedia ao meu primo e alter ego, Fulgêncio Pedra Branca para escrever e assinar um artigo de humor jocoso em meu lugar hoje. Com sinceridade, me espantou e muito o grau de histeria ou de pessimismo, ou mesmo má vontade com Lula diante do debate de domingo. Fulgêncio Pedra Branca é uma brincadeira com Stanislaw Ponte Preta, que não teria uma vida muito fácil diante da porraloquice politicamente correta, vitoriana, anglo saxã e udenista deste tempos de heróis perfeitos lacradores de internet. Stanislaw era fã de outro grande humorista, Aparício Torelli, que se auto batizou “Barão de Itararé”, em homenagem a maior batalha brasileira, honra e glória de nossas FFAA, que nunca ocorreu (meio como o grande debate televisivo da Band, que como grande debate, para a maioria do povo brasileiro, nunca existiu).
Este foi meu sentimento primeiro, diante de um certo ar, entre pessimista e fúnebre, de muitos “especialistas”, diante da “performance” de Lula, no debate de domingo. E porque uso o termo performance entre aspas, porque a crítica da crítica já começa por aí. A “semiótica” brilhante de nossos críticos começa exatamente porque cobram de Lula algo como uma performance sexual de um atleta de filme pornô, ébrio de uma mistura de viagra e cocaína, que tem que dar 5 sem tirar de dentro. As comparações demeritórias ora eram com o próprio Lula, “em outros carnavais”, ou ressuscitavam o velho Brizola, para dizer que Lula ficou “longe de ser brilhante”. Eu fico imaginando se estes mesmos críticas realmente seriam tão laudatórios ao velho Briza, e seu estilo de bater no fígado desde o primeiro segundo, que lhe deu a incrível virada no Rio de Janeiro, num debate em que ele colocou no bolso Sandra Cavalcante, Miro Teixeira e Moreira Franco, mas no qual não poupou adjetivos e o termo “filhote da ditadura” foi a coisa mais meritória de que chamou seus adversários.
De verdade, os que hoje pedem uma “performance” de Kid Bengala ao Lula seriam os primeiros a tentar destruí-lo, caso ele estivesse usando o estilo matador do ex caudilho, que era de um caudilho guerrilheiro, saudoso das batalhas farroupilhas, e que não tinha medo de bater no fígado. Não, sejamos sinceros, mesmo nos melhores momentos de Lula, este nunca foi o estilo dele, ainda que nosso guerreiro de Garanhuns também saiba esgrimir seus jabs e dar diretos certeiros no queixo dos seus adversários, nos momentos corretos e oportunos.
Para entender o debate da Band é necessário, antes de tudo, colocar o debate no seu devido lugar. O PT errou em 2018. Fiquem tranquilos, não vou entrar naquele looping doido de “a culpa é do PT”, estou falando da estratégia eleitoral equivocada de 2018, que acreditou tanto no latifúndio de horário televisivo de Haddad, quanto nos debates da TV, para tentar virar a corrida eleitoral. O PT não tinha entendido o fenômeno chamado internet e tentava guerrear com um mimeógrafo, ou com uma máquina de escrever, contra a milícia digital organizada por Steve Bannon. Do “ele não” (que alguns saudosos da terceira via tentam a todo custo ressuscitar) à crença no papel e na TV, a gente não precisa lembrar do 7 x 1 que tomamos.
A pretensa análise semiótica ou semiológica de “especialistas” na política e no discurso já começa errada, porque deslocada do lugar em que o debate televisivo cumpre hoje. Não, o debate não decide mais nada na eleição. Lula ir ao debate, ao fim e ao cabo, acabou sendo uma decisão imposta pelo fato de o miliciano do planalto ter aceitado ir também. Até o sim de Bolsonaro sequer sabíamos se Lula iria ou não. Ir a um debate, sem Bolsonaro, era aceitar ser servido para um churrasco de candidatos nanicos. Quando o fascista do planalto aceitou ir, premido por perder em todas as pesquisas, a presença de Lula era certa, mas agora não mais como boi de piranha. E sim, a tática dele no debate foi correta. Sereno, calmo, comedido, e até um pouco cansado (o que é de se esperar, para um senhor de 76 anos que tem uma agenda que estafaria meninos de 16), foi afável a maior parte do tempo, mas foi preciso e acertou a jugular da Simone Tábata no momento preciso.
Eu realmente não entendi os auto-denominados “especialistas em política e semiótica” e o que eles consideram “ganhar o debate”. É óbvio que eu entendo as organizações Globo, a Falha de São Paulo, toda a mídia hegemônica, que ainda sonham com a terceira via querer assumir a dianteira na eleição, criar um discurso de uma vitória por pontos de Simone Tábata. Difícil, ou impossível, é entender os nossos entrarem nesse engabelamento e ajudarem a propalar esta mentira.
Uma mentira dita mil vezes se torna uma verdade, já dizia Joseph Goebbels. De uma hora para outra, um monte de gente de esquerda voltou a acreditar na “isenção dos jornalões”, e do fetiche das palavras escritas por jornalistas, que ditariam a verdade técnica e isenta. Até pesquisa do Data Fraude serviu para levantar a bola da candidata da Terceira Via.
A elite brasileira não tem problemas em servir-se de Bolsonaro – ou do criminoso de plantão que sirva a seus interesses, se assim fosse, não teria trepado durante mais de 20 anos com os militares. Participaram da suruba da ditadura, sem nenhum pudor, sem nunca recusar uma felação ao ditador de plantão. Depois, escreveram uma desculpa para ser lida no papel de pão, pelo apresentador Bonner Simpsom de momento, e vida que segue; “auto-crítica” semelhante ao que a Globo fez com Lula na sabatina, mas só um idiota completo acreditaria nas boas intenções deles.
Esta mesma elite adoraria trocar o atual mandatário, um elefante na loja de cristais, por alguém mais palatável e que cause menos danos, como a escravocrata, defensora do agro e dos venenos agrícolas, Simone Tábata, ou qualquer outro ator chinfrim de segunda categoria afim.
Assim, ela rascunhou uma vitória de Simone Tábata na segunda-feira, e alguns esquerdistas que, no fundo, ainda sentem algum respeito totêmico e religioso pela mídia tradicional, engoliram a pílula do discurso a seco. Cometeram dois erros de entendimento.
O primeiro é que não entenderam o papel da Simone Tábata – funcionária de uma desesperada terceira via da elite – e do discurso udenista do dia seguinte, como o de sua vitória, com um crescimento de “50%” de seus votos, dentro da margem de erro, de 2 para 3% dos votos.
Simone Tábata é perfeita para este papel. É um Jânio Quadro de saias, só que não histriônica, uma udenista que agrega a imagem da boa senhora de família, “mãe”, “esposa”, “mulher” (aí o papel social reduzido ao gênero sexual biológico, esquecendo de tudo que ela fez contras as mulheres no golpe misógino contra Dilma, não por outra razão Simone Tábata reescreveu a própria história na sabatina da Globo, dizendo-se a “primeira candidata mulher à presidência”).
Ela não tem caráter ou função nenhuma, pode votar tranquilamente para a retirada de terras indígenas ou quilombolas, pelo garimpo em área preservada, pela retirada dos direitos trabalhistas das mulheres, ou por diminuir a área de proteção ambiental da Amazônia, e ainda assim ser defendida por alguns dos nossos, que reduzem então o feminismo ao papel biológico de mulher. Fenômeno parecido ao que ocorreu ao dia seguinte do debate, nos quais muitos dos nossos se esgrimiram em defender a misógina Vera Magalhães, que nunca se indignou contra os ataques machistas e das humilhações contra Dilma, mesmo quando exposta em desenhos obscenos em carros ou xingada no Mineirão. Vera Magalhães foi solidária… ao golpe! Eu sinto solidariedade zero por ela. Na briga entre o miliciano e Vera, eu torço pela briga.
Lula, até nisto foi genial. Respeitou as mulheres, tanto na sabatina da Globo, quanto no debate da Band, foi um bondoso senhor de 76 anos, parecia Muhammad Ali bailando, dançando no ringue, até finalmente nocautear a mensageira da casa-grande.
O segundo grande erro dos nossos auto denominados “analistas políticos semióticos de plantão” é de exagerar o papel dos debates. Até a década de 90 um debate podia ganhar ou perder uma eleição. Brizola no Rio em 80, o golpe da Globo e a edição do debate Collor e Lula de 89, transformando um vitorioso Lula em um derrotado, sim, um debate podia decidir uma eleição. A TV falava, não havia embate. Depois da internet, com todos os seus defeitos, este fenômeno de fala unidirecional não existe mais. O debate não é o debate, ele é a repercussão do debate. Aí sim, nos estranha, não a pretensa “falta de combatividade do velho Lula”, mas a falta de combatividade de nossos pretensos analistas, que preferiram engolir a isca da desesperada terceira via e incensar Simone Tábata.
O debate é o tratamento que a gente dá a ele no dia seguinte. O que fazemos dele na internet, o proveito que tiramos dele para a nossa luta para derrotar o fascismo e ganhar as eleições, ainda no primeiro turno. Entrar no fetichismo da velha imprensa ou reverberar a voz da terceira via não é nosso papel.
Para terminar, digo porque Lula ganhou o debate. Lula ganhou o debate não por pontos, mas por nocaute. Lula foi Muhammad Ali, bailou magicamente, se esquivando dos vários golpes, e, muitas vezes, parecia não querer lutar. Distribui sorrisos e afagos, e até parecia cansado, até esmurrar a casa-grande e levá-la a nocaute.
O grande momento semiótico da noite foi quando Lula mostrou que ele era o retirante, o engraxate, o vendedor de laranjas, o torneiro mecânico, o nordestino, o que sofre preconceito, o homem do povo, e Simone Tábata era a socialite servida por empregadas domésticas, jardineiros, motoristas. Quando ele perguntou a ela se ela votou na PEC das empregadas domésticas e que ela não sabia que a vida tinha melhorado porque não, ela não fazia parte do povo brasileiro, ela era só uma representante da casa-grande, para quem 3 refeições por dia não fazem diferença.
A cara de desespero da dondoca no momento em que Lula, Muhammad Ali, desfere seu direto, é o resumo da semiótica da vitória de Lula. O olhar é de desespero. Os árbitros nem precisam abrir a contagem. Ela não levanta.
Lula venceu de nocaute.
Uma resposta
Excelente texto do Ponciano. Não se pode tratar debate eleitoral como concurso público para comunicador ou debatedor. Estamos as vésperas da talvez mais importante eleição da República e não podemos ficar avaliando desempenho de candidato a presidente como performance de lacração.