25 de outubro, o aniversário da revolução russa. Outros Outubros virão

25 de outubro, o aniversário da revolução russa. Outros Outubros virão

Por Valério Arcary e Eric Hobsbawn

A Revolução de Outubro teve repercussões muito mais profun­das e globais que sua ancestral. Pois se as idéias da Revolução Francesa, como é hoje evidente, duraram mais que o bolchevismo, as consequências práticas de 1917 foram muito maiores e mais duradouras que as de 1789. A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo desde as conquistas do islã em seu primeiro século. Apenas trinta ou quarenta anos após a chegada de Lenin à Estação Finlândia em Petrogrado, um terço da humanidade se achava vivendo sob regimes diretamente derivados dos ‘Dez dias que abalaram o mundo’.

Eric Hobsbawm

A grande maioria dos historiadores estão de acordo que a revolução de Outubro esteve entre os principais acontecimentos históricos do século XX. A desvalorização de Outubro como uma quartelada ou golpe de Estado entre os muitos que se deram no século XX, embora volta e meia volte a ser feita, seja de forma confessa ou camuflada, não passa de um evidente desatino. Qualquer análise honesta e equilibrada do século passado estará diante do desafio de reconhecer a originalidade única de Outubro, como a mais importante revolução social da história.

A própria referência teórica da idéia de revolução, antes associada, essencialmente, ao padrão estabelecido pela revolução francesa de 1789, passou a ter em Outubro um novo paradigma. Assim, não é estranho que sejam raros os meses tão estudados na história como aqueles que antecederam a revolução de outubro. Entre fevereiro e Outubro de 1917 temos o modelo “clássico” de uma situação e de uma crise revolucionária.

Entretanto, outubro continua sendo uma experiência revolucionária original. Mas não por escassez de revoluções sociais. O XX foi o século das revoluções. Raros são os países, entre eles se destacam os EUA e a Inglaterra, as fortalezas do capitalismo, que não viveram processos de revolução social. E ainda assim a Inglaterra esteve lá perto (conheceu situações pré-revolucionárias, ou algo muito próximo), pelo menos, duas vezes, a primeira, em meados dos anos vinte e uma segunda nos anos 1970. E isso, mesmo se considerarmos os países centrais: França, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, entre outros, conheceram, alguns mais de uma vez situações revolucionárias. O mesmo se poderia dizer, com mais razão, da maioria dos países chaves do mundo periférico.

O movimento dos trabalhadores se afirmou como o mais importante movimento social em escala mundial, pelo menos desde meados dos anos oitenta do século XIX. E, no entanto, não há, no contexto de 2020, cem anos depois do triunfo da primeira revolução socialista, nenhuma experiência em curso de transição ao socialismo. Resumindo o problema teórico em uma fórmula simples: estamos diante da questão da longevidade do capitalismo.

Porque pode parecer muito razoável retirar conclusões teóricas quando consideradas essas escalas de temporalidade. Teria fracassado a esperança marxista de que os trabalhadores seriam o sujeito social da luta anticapitalista? A transição socialista, a passagem do poder de uma classe privilegiada para uma maioria despojada, algo muito diferente da passagem de uma classe proprietária para outra classe proprietária, prometia, previsivelmente, ser um processo extremamente difícil. E na história tudo que é muito difícil tende a ser longo. Porém, o que a história revela como padrão é que, enquanto existir, uma classe social não pode renunciar à defesa de seus interesses.

Cento e cinquenta anos teriam sido mais que o bastante. O argumento é forte, mas não é novo. Essas posições não surpreendem em períodos de refluxo prolongado, ou depois de derrotas muito sérias. E a restauração o capitalismo foi uma derrota histórica devastadora. O impressionismo é, no entanto, perigoso em política e fatal em teoria.

Os receios e as angústias diante dos desafios da luta de classes se alimentam na força de inércia que atua, poderosamente, no sentido de manutenção e conservação da ordem. As forças de inércia histórica, se apóiam, por sua vez, em muitos fatores (materiais e culturais). Eles não devem ser subestimados. É porque são grandes, que as transformações históricas foram sempre lentas e dolorosas.

São, em geral, necessários grandes intervalos para que a classe trabalhadora possa se recuperar da experiência de una derrota histórica, e consiga gerar uma nova vanguarda, recuperar a confiança em suas próprias forças, e encontrar disposição para arriscar de novo pela via da organização coletiva, da solidariedade de classe, e da mobilização de massas.

A História está repleta de episódios de rendição política de forças, movimentos, frações, partidos, lideranças e chefes. Mas as classes populares em luta não “desistem”. Recuam, interrompem as hostilidades, diminuem a intensidade dos combates, duvidam de suas próprias forças, mas, enquanto existem, acumulam novas experiências, reorganizam-se sob novas formas e voltam à luta. As classes podem agir, por um período, maior ou menor, contra os seus próprios interesses. Nenhuma classe social faz “haraquiri”. As batalhas, os combates, cada luta são nessa escala, em uma perspectiva histórica, sempre batalhas parciais e transitórias, vitórias ou derrotas circunstanciais.

As relações de forças se alteram, e podem ser mais desfavoráveis com seqüelas mais duradouras. Mas não existe “suicídio” político para uma classe social.

Outros Outubros virão.

Publicado originalmente no Brasil 247

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